Questões do Estado de Direito – Vasco Graça Moura

 

 

Vasco Graça Moura  Questões do Estado de Direito

 

 

enviado por Adão Cruz

 

 

 

 

 

O que é que haverá de comum entre personalidades tão diferentes como Pedro Santana Lopes, Jorge Bacelar Gouveia, José António Saraiva e Henrique Monteiro? Face aos jornais das últimas semanas, a resposta é muito simples: todos defendem o Acordo Ortográfico, todos discordam das posições que tenho sustentado, todos, pelos vistos, entraram em alerta vermelho com os textos publicados no Jornal de Angola, e todos evitam tomar posição sobre questões que são essenciais.

 

A primeira dessas questões é a da entrada em vigor do AO. Toda a gente sabe que, não tendo sido ratificado pelas Repúblicas Populares de Angola e de Moçambique, ele não entrou em vigor.

 

A ratificação é o acto pelo qual um estado adverte a comunidade internacional de que se considera obrigado nos termos do tratado que subscreveu juntamente com outros estados. No que a este caso interessa, o tratado entra em vigor na ordem jurídica internacional logo que ratificado por todos os estados signatários. A partir do momento em que entre em vigor na ordem jurídica internacional, essa convenção será recebida na ordem jurídica interna do estado signatário. Antes, não pode sê-lo.

 

Não estando em vigor na ordem jurídica internacional, nem ele nem, por identidade de razão, o bizarro segundo protocolo modificativo, uma vez que também não foi ratificado por aqueles estados, o AO não está nem pode estar em vigor na ordem jurídica portuguesa.

 

Nenhuma das individualidades referidas toma posição quanto a este ponto.

 

Ora, sem o AO estar em vigor, a solução é muito simples: continua a vigorar a ortografia que se pretendia alterar. Como estamos num estado de Direito, a solução é só essa e mais nenhuma. E a lei deve ser cumprida por todos.

 

A segunda questão prende-se com a exigência, feita pelo próprio AO (art.º 2.º), de um vocabulário ortográfico comum, elaborado com a participação de instituições e órgãos competentes dos estados signatários. Não existe. Qualquer outro vocabulário que se pretenda adoptar, seja ele qual for, será uma fraude grosseira ao próprio acordo…

 

A resolução do Conselho de Ministros do Governo Sócrates (n.º 8/2011, de 25 de Janeiro) raia os contornos de um caso de polícia correccional: produz uma distorção ignóbil da verdade ao afirmar, no preâmbulo, que adopta “o Vocabulário Ortográfico do Português, produzido em conformidade com o Acordo Ortográfico”. É falso.

 

Nenhuma das individualidades referidas toma posição quanto a este ponto.

Mesmo que entendessem que o AO está em vigor, uma coisa é certa: nenhum entendimento, nenhum diploma, nenhum sofisma político ou jurídico pode dar existência àquilo que não existe.

 

Sendo assim, e não se podendo aplicar o AO por falta de um pressuposto essencial à sua aplicabilidade, continua em vigor a ortografia que se pretendia alterar por via dele. Como estamos num estado de Direito, a solução é só essa e mais nenhuma. E a lei deve ser cumprida por todos.

 

O grande problema é portanto o de que cumprir o Acordo Ortográfico, no presente estado de coisas do nosso estado de Direito, implica não o aplicar! Ou, dizendo por outras palavras, fazer de conta que se aplica o AO é violá-lo pura e simplesmente, na sua letra e no seu espírito…

 

Nenhuma das individualidades referidas toma posição quanto a esta situação paradoxal de que, certamente, tiveram a argúcia de se aperceber.

De resto, há muitas outras questões que têm sido levantadas, mas que as mesmas individualidades se dispensam de considerar, mostrando uma suficiência assaz discutível em relação a assuntos que não estudaram e de que, pelos vistos, percebem pouco. Não as abordaremos para já, mas elas não perdem pela demora. Diga-se apenas que nem mesmo o Brasil aceita a carnavalização da grafia que está a ser praticada em Portugal!

 

Acrescento que estou um tanto ou quanto farto de ter de voltar a estas coisas com alguma frequência. Mas tenho mais apego à minha língua do que a muitos outros interesses pessoais. E voltarei ao assunto as vezes que for preciso.

 

Para já, trata-se de instar quatro pessoas que considero e com quem tenho uma relação cordial, a que respondam aos pontos que levantei e aproveitem para ponderar as judiciosas considerações que sobre o assunto o Jornal de Angola tem publicado. Não perdem nada com o exercício.

10 Comments

  1. Diz o senhor: “A ratificação é o acto pelo qual um estado adverte a comunidade internacional de que se considera obrigado nos termos do tratado que subscreveu juntamente com outros estados. No que a este caso interessa, o tratado entra em vigor na ordem jurídica internacional logo que ratificado por todos os estados signatários. A partir do momento em que entre em vigor na ordem jurídica internacional, essa convenção será recebida na ordem jurídica interna do estado signatário. Antes, não pode sê-lo.”Pode ser assim ou não, tanto (me) tem. Porque penso que esse é o erro mais grave em que está a Lusofonia: fazer da ortografia questão de (cada) estado (e governo! ou partido!!!) e não, como acontece na Hispanofonia e na Anglofonia, questão-não-questão dos cidadãos, melhor ou pior representados cultural e linguísticamente por Academias ou, nem sequer, por “dicionários-dicionaristas”.E a razão-sem-razão de estado é justamente porque a estado mais pequeno (Portugal) corresponde, em determinados nacionalistas, atitude elefantiásica em ortografia. Parecem dizer: “Já que não podemos quase nada no conjunto da Lusofonia, façamos com que o governo nos tenha por importantes.” Ou, antes: “façamos com que o governo ache importantíssimo se declarar independentista da letra… porque a letra é nosssa e só nossa.” Entrementes, esses nacionalistas … esquecem o espírito, a Comunidade lusófona.Esse esquecimento do nacionalismo português oficial tem-no bem padecido o Galego, a Comunidade lusófona da Galiza… Essa parte da origem da sua língua nacional é preterida sistematicamente pelo nacionalismo português exacervado (que tão bem representa o autor do artigo).Saibam que isolar-se vale tanto como suicidar-se. E neste caso não é Sansão a acabar com os filisteus…

  2. Lamento não ter entendido nada do que António Gil pretende (admitindo que pretende) dizer. Como ainda não fui atingido por demência senil (que, espero, nunca me alcance…), diria que o problema reside na linguagem confusa que AG utiliza, por não saber fazer melhor. Mesmo falando do que possa correr o risco de ser interpretável, misturar o que se passa em países que nunca ansiaram por acordos (como os de língua inglesa ou castelhana) com uma hipotética ambição (eventualmente expressa por uns tantos chauvinistas?…) “elefantiásicos” (?) é mistela que também não auxilia a responder a questões que deveriam ser simples: Que pretende AG? Apoia o Aborto Ortofágico? Não apoia? Em qualquer dos casos, porquê?Infelizmente, aparenta ser mais um dos que se afoitam por terrenos tão afastados do tema em questão que o perdem de vista por completo. Na prática, não contradiz uma linha do que afirma VGM e parece dar de barato que os Poderes Legislativo e Executivo não cumpram as leis nacionais e internacionais, como se tal não fosse de extrema gravidade e um péssimo exemplo para o comum dos cidadãos que, a partir daí, sentir-se-ão à-vontade para agir anarquicamente (e não porque professem a correspondente ideologia!), borrifando-se nas leis, o que, se nalguns casos pode ser divertido, noutros, porém, será perigoso, já que é todo o tecido legal que é posto em causa e não por boas razões (de combate a uma lei iníqua ou mal-feita, p.e.)…Quanto à prosa que nos despeja em cima, poderá ser útil informá-lo de que, nas experiências literárias que roçam o absurdo ou o sem-sentido (aparente), temos quem se exprima muito melhor, com a sabedoria de se manter no limite do inteligível ou, pelo menos, do que se não coloca totalmente à margem da comunicação (ainda que envolvendo níveis de apreensão, por vezes, assaz complexos), desde a Maria Velho da Costa de “Da Rosa Fixa” ao Herberto Helder dos “Passos em Volta”…Pelo que, nem do ponto de vista literário, precisamos das patéticas tentativas de AG de esconder num pretenso hermetismo o vazio que tem para proclamar. Arranje um pote fissurado e guarde lá esses assomos escreventes, para que não ocorra que algo do precioso vazio se perca no vácuo…

  3. Meu senhor, grato por me responder tão amavelmente. Temendo que talvez o meu comentário primeiro não fosse entendido nem bem nem mal, permiti-me acrescentar um comentário breve a esse comentário, que parece igualmente não ser entendido.Nas questões especificas do “aborto”, que define muito cientificamente o senhor, nem entrei nem quero entrar. São e serão questões sempre discutíveis e em Portugal, pelos vistos, sempre discutidas até ao desfalecimento. É cousa de portugueses.Eu apenas quis assinalar que o procedimento, oficialização, não é nem único nem menos ainda desejável e produtivo. Há outros. E que, se os portugueses quiserem não extraviar-se ou extravagar em discussões sem fim, poderão adoptar outro procedimento e não a oficialização, a “politização” ou “partidização” da ortografia não da sua língua, mas da língua comum à Lusofonia (se, para os portugueses, existir, mais ou menos, a Lusofonia, como para os hispânicos sim existe, dessa maneira, a Hispanofonia e para os francófonos, a Francofonia).Porque, observadas desde fora de Portugal e mesmo desde fora da Lusofonia oficial (desde a Galiza, por exemplo) as discussões insistentes e com frequentes argumentos “ad hominem” sobre o AO, a impressão que provocam é não a defesa da língua comum, mas um acirrado jogar a perder o português primeiro em Portugal (Espanha, meu senhor, espreita cautelosamente com o propósito de…), mas extensível ao resto da Lusofonia.É opinião. Não pretendo pontificar, por favor!

  4. Para evitar celeumas:1.- AbtonioGil é erro; sou António Gil.2.- A expressão “cousa de portugueses” refere-se às discussões ESPECÍFICAS sobre o AO. O jeito das discussões pode ser mais ou menos particular, mas também não é cousa minha, que não sou português. Sim lhe diria que discutirem como discutem tem muito parecido com as discussões entre os galegos “galeguistas”, talvez porque, como disse um bom português, os portugueses sejam galegos aperfeiçoados.

  5. Não há nada de novo, que me leve a crescentar seja o que for ao que deixei escrito. Nem a retirar. Não vale a pena continuar a repetir que os desvios “nacionalistas” de alguns intervenientes no debate deste tema só servem para desviar as atenções do que, também repito, é fundamental: a “má qualidade” científica do “abortinho”. Quem ainda não percebeu isto, nunca irá perceber, nem com megafone, porque o problema reside ne sua incapacidade de análise… Nada a fazer, portanto.Mas tenho de manifestar a minha discordância com o “bom português” que irrompeu na sua última prosa. Não há nenhum povo que seja o “aperfeiçoamento” de outro. A afirmação, subentendendo que um dos povos é superior ao outro, de que é o “aperfeiçoamento”, não tem qualquer base racional e é de uma intolerável xenofobia. E dislates desses, que, mesmo não intencionalmente (até o admito), contribuem para animosidades e discriminações entre grupos étnicos, não deixo passar em claro.Finis

  6. Vistos os vistos, digo-lhe no meu castelhano coloquial: “Para Vd. la perra gorda”. E desfrute-a!Contudo, se o senhor nega que ao longo da história Portugal não teve necessidade de aprender nada, que quer que eu lhe diga… “para Vd. la perra gorda”. E seja feliz!

  7. A imbecilidade não tem remédio. Pelo que, como não é possível debater seja o que for com um imbecil, dei já por findo o arremedo de debate consigo, pois o que o AG pudesse acrescentar nunca passaria de palavreado oco (como o exemplo acima demonstra). Se ainda escrevo este textinho pedagógico (mesmo sabendo que dificilmente o AG o perceberá) é apenas por dó e também porque este blogue é, para mim, especial. E, ainda, porque lhe publicaram o vómito (um blogue, mesmo com muitos colaboradores, é privado e, portanto, “editado”), apesar do conteúdo ser, habitualmente, considerado obsceno e impróprio para publicação. Ainda que, para mim, tenha sido útil, para corroborar o meu diagnóstico sobre a manifesta insuficiência das suas capacidades intelectuais. “Finis” (termo latino, fácil de entender, excepto para um destituído mental) quer dizer “fim”… Dito isto, que já significa abrir uma excepção à minha atitude habitual, pode bolsar à vontade o que a sua menoridade meníngica lhe ditar. Não voltarei a perder tempo consigo: é coisa de que não disponho para doar a idiotas.

  8. O que me preocupa neste momento não são os comentários do Sr. António Gil porque de confusão já chega a que por cá temos, não vale a pena criar mais. O que verdadeiramente me preocupa e revolta neste momento é o completo desnorte do governo ao dizer aos professores de português que, até 1915, ensinem como quiserem, com ou sem AO. Será que as pessoas, quando chegam ao poder, enlouquecem? Não há outra maneira de entender este tremendo disparate. Que diabo de língua falará uma geração que vai fazer a instrução primária nesta arbitrariedade dentro do ensino?O que anda Francisco José Viegas a fazer?

  9. Com efeito, “finis coronat OPUS”. Contudo, oro pelo senhor desde o fundo do meu coração para que continue ilustrando a minha mente, tão obtusa… Por favor, não me abandone nas trevas da ignorância; continue a dizer, continue a manifestar-se em epifanias gloriosas; esclareça os meus errados conceitos sobre tudo o referente ao funcionamento das línguas, principalmente das presumíveis línguas nacionais e transnacionais, como pode ser a portuguesa; diga se estou errado também nesta consideração. Sei que a sua sabedoria é mais do que luminosa, é iluminante. Prossiga, “per carità”!

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