Só quem andou no meio do capim, com o calor abrasador de África, é que sabe o que é sofrer.
Seguiram-se dois dias de aflição, pois que, para além da angústia de saber que estávamos perdidos, a fome e a sede começava a fazer mossa.
Num dos breves momentos de descanso, descobrimos uma pequena plantação de ananases, ainda muito pequenos e verdes, mas que serviram para momentaneamente mitigar a sede que sentíamos.X Puro engano. Em vez de amainar a sede, aqueles malditos ananases puseram a nossa boca a arder, a língua seca e nós cada vez mais desesperados.
O rádio não tinha potência para contactar a base, de molde a podermos pedir socorro. Estávamos entregues à nossa sorte. Mais três dias se passaram sem que a situação melhorasse, bem pelo contrário: Cada vez mais o desespero tomava conta de nós.
Até que ouvimos ao longe o ruído de um motor de avião. Andavam à nossa procura.
Foi um frenesim total. Procurou-se de imediato esticar o fio que servia de antena rádio para poder aumentar o som e a potência do rádio. Um soldado saltou para as cavalitas de outro, de braços no ar bem esticados, tentando elevar o mais alto possível a antena, para assim podermos ser ouvidos pela avioneta.
Finalmente ouvimos a resposta aos nossos apelos vindo do avião, e este orientado pelo Cap. Vila Chã, foi aos poucos aproximando-se de nós, até que nos sobrevoou.
Soube-se depois que nessa avioneta seguiam o 2º comandante Major Tavares e o Cap. Freitas Lopes, que da referida avioneta nos enviavam palavras de conforto e de estímulo que nós ouvimos com uma alegria no coração nunca até ali sentida.
Numa das voltas que a avioneta deu num voo mais rasante ao capim lançou um embrulho que fomos de imediato buscar. Trazia cigarros, e alguns dos nossos que nunca tinham fumado deliciaram-se com um prazer desconhecido.
Com as indicações dimanadas da avioneta, arrancamos na direcção do aquartelamento no Zalala.
Novamente embrenhados no mato, e após mais algumas horas de caminhada, eis que nos surge uma coluna militar da CArt 422, que avisados pelo Oficial de Operações, foi de imediato ao nosso encontro levando água e cervejas.
Recordo-me como se fosse hoje de ter pegado num grande caneco cheio de água, leva-lo à boca e beber, beber, beber até dizer basta. A sofreguidão era tanta que molhei a farda toda tal era a ânsia de beber.
Posso seguramente falar por todos os que compunham aquela expedição. Aquela foi a melhor água que bebemos até hoje. Só quem passou por situações como as que atrás ficaram relatadas é que sabem dar o valor ao precioso líquido que é a água.
Quando chegamos ao Zalala o cheirinho a frango assado fez dilatar os nossos narizes. Era um cheiro delicioso, sobretudo para nós que vínhamos de passar tantas privações.
Mas o capitão comandante da CArt 422 quis arengar às tropas para enaltecer o espírito de sacrifício por todos demonstrado, tendo palavras de louvor, gratidão e entusiasmo para com o nosso pelotão.
Soube bem ao nosso ego.
Pouco depois desta pausa/agradecimento fomos logo em direcção ao local de onde dimanava aquele cheiro intenso, que antevíamos delicioso, antegozando o momento de deitar a dentuça a um pedaço de frango.
Mas caso estranho, apesar de tudo, quase ninguém provou daquelas aves, tão carinhosamente preparadas para nós.
O cansaço era muito, e, a breve trecho os valentes desta aventura dormiam em paz, descansados, sonhando de certeza com coisas lindas.
Era o descanso dos guerreiros.
A seguir: O PORQUÊ DE SERMOS MANGUÇOS – COMO SURGIU ESTE NOME