Globalização e Desindustrialização – 4ª Série. Capitulo 2. Comércio e Concorrência Internacional: algumas questões.

2.8  Repensar a Teoria do Comércio Internacional, repensar a Política Comercial, por Thomas I. Palley – IV

 

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

 

(Continuação)


Análise Macroeconómica Paralela

 

A análise GBS no comércio internacional baseia-se na teoria pura do comércio internacional. Como tal, assume-se que o equilíbrio de longo prazo é marcado também pelo pleno emprego e pelo equilíbrio da balança comercial. A análise microeconómica pode ser complementada pela análise macroeconómica convencional que permite o desemprego e os défices comerciais. Uma tal análise macroeconómica faz eco das suas preocupações e suscita preocupações adicionais sobre a estabilidade económica e sobre o significado da concorrência internacional.


Em relação aos impactos macroeconómicos, os défices comerciais recordes dos últimos anos têm contribuído para que a recuperação económica a partir da última recessão tenha sido a mais fraca desde a Segunda Guerra Mundial. De acordo com o Commerce Department o défice comercial crescente tem directamente reduzido o crescimento do PIB em mais de 25 por cento entre 2001 e 2005, canalizando a despesa para o estrangeiro em vez de ser canalizada para a compra de bens produzidos internamente. Mais ainda: esta redução exclui outras perdas indirectas decorrentes de menos empregos causando menor volume de despesa em bens produzidos a nível nacional o que, por sua vez, faz com que os Estados Unidos venham assim a penalizar a despesa e o crescimento que esses empregos poderiam ter gerado.

 

Com relação ao emprego, Bivens (2004) estima que o défice comercial dos EUA em bens manufacturados responde por 59 por cento dos empregos industriais perdidos entre 1998 e 2003. Baseado numa metodologia de input-output, Robert Scott, do Economic Policy Institute em Washington, DC, estima que por cada mil milhões de dólares de importações de bens são cerca de 9.500 postos de trabalho perdidos. Retirando o défice da OPEP de 92,7 mil milhões dólares, o défice comercial de bens em 2005 foi de 695 mil milhões. Usando um multiplicador de emprego Scott calculou que foram 6,6 milhões de oportunidades de trabalho que assim foram incluídas no défice comercial. (10) . A implicação disto é que, em vez de se criarem empregos no país, uma parte significativa dos gastos da despesa dos consumidores e dos bens de investimento tem abandonado a economia dos EUA sob a forma de despesa em bens importados.

 

Além dos efeitos adversos de curto prazo sobre o emprego e sobre a produção, o enorme défice comercial dos EUA também tem efeitos macroeconómicos adversos a longo prazo. As taxas de câmbio subavaliadas do resto do mundo têm severamente impactado a produção nos EUA através do seu impacto sobre o défice comercial, com muitas empresas americanas a encerrarem as fábricas porque não podem competir. Algumas empresas simplesmente abandonaram a actividade, enquanto outras se deslocalizaram ou subcontrataram a produção, particularmente para a China. Os impactos sectoriais do défice comercial com a China têm sido amplamente relatados nos relatórios anuais da Comissão U.S.–China Economic and Security Review Commission de 2003 e 2004 (11) .

 

Muitas empresas também reduziram as suas despesas em bens de investimento ou redireccionaram o investimento para outros países em vez de construírem novas e modernas instalações fabris nos Estados Unidos. Blecker (2006) examina o impacto do dólar sobrevalorizado sobre os lucros na indústria transformadora americana e sobre as despesas em bens de investimentos As suas estimativas sugerem que a valorização do dólar entre 1995 e 2004 baixou o nível e investimento na indústria transformadora e o valor do capital na indústria transformadora em 61 e 17 por cento, respectivamente, em 2004 em relação ao que os valores teriam sido se o dólar se tivesse mantido ao seu nível de 1995. A apreciação do dólar tem estruturalmente enfraquecido a base industrial dos EUA e terá  tornado a tarefa futura dos ajustamentos do défice comercial ainda mais difícil, em que os Estados Unidos podem entretanto até ter perdido a capacidade necessária para produzir os bens manufacturados que agora importa.

 

Estes efeitos sobre os empregos na indústria transformadora e sobre os investimentos fornecem um forte suporte para as preocupações levantadas pelos trabalhos GBS. A indústria transformadora é a chave para a prosperidade a longo prazo, porque é o principal grande centro de crescimento da produtividade e da inovação. Quando a indústria transformadora dos EUA se movimenta para offshore, muita dela da I & D que lhe está associada move-se com ela também, diminuindo-se ainda mais as inovações futuras nos Estados Unidos.

 

Outro problema é que o comércio internacional permanece concentrado em bens. Isso significa que, a longo prazo, os países precisam de ser capazes de produzir e vender produtos manufacturados, a fim de poderem financiar as importações. A erosão da capacidade de produção dos EUA mina essa mesma capacidade, potencialmente arriscando um futuro declínio nos padrões de vida nos EUA e a possibilidade de que o crescimento e o emprego possam vir a ser restringidos pela necessidade do equilíbrio da balança de pagamentos americana.

 

O défice comercial também traz importantes implicações financeiras adversas, em particular, o endividamento externo torna os mercados financeiros norte-americanos potencialmente vulneráveis a uma venda maciça e repentina tanto por parte dos credores estrangeiros como pelos investidores nacionais. Se isso vier a acontecer, as taxas de juros para os títulos da dívida pública subiriam nos Estados Unidos e o dólar cairia vertiginosamente. A inflação também poderia aumentar por causa da forte dependência de produtos importados e da capacidade de produção doméstica limitada para poder substituir esses bens. O resultado líquido é que os Estados Unidos poderiam ficar sujeitos a um regresso da estagflação.

 

Finalmente, as questões dos défices comerciais dos EUA ligam-se à questão bem mais lata do crescimento dinamizado pelas exportações e do desenvolvimento económico global. O crescimento económico dinamizado pelas exportações, crescimento dito led growth, tem sido praticado por diversos países que assentaram no aumento das exportações para promover o crescimento industrial e o desenvolvimento. Esta estratégia encoraja a existência de taxas de câmbio subavaliadas como uma forma de atingir e manter a competitividade internacional. Esta utilização tem sido amplamente praticada por muitos países em desenvolvimento, pela Europa e pelo Japão, que também contaram com as suas exportações para dinamizarem as suas economias.

 

O crescimento dinamizado pelas exportações é tipo de crescimento que levanta uma série de questões polémicas (12). Essas questões incluem a sua contribuição para com os desequilíbrios financeiros globais verificados (como exemplificado pelo défice comercial dos EUA); o seu papel no desencadear de uma corrida para baixo entre os países que estão à procura de vantagens comparadas internacionais, contudo possível e a sua tendência é  a de  promover a deflação global, já que os países adicionam-se na oferta global sem um aumento correspondente na procura global.

 

O crescimento económico led-growth via exportações pode ser visto como uma forma de estratégia de política ligada à análise dos trabalhos GBS. A confiança na taxa de câmbio sub-avaliada para promover as exportações pode resultar na captação de indústrias e adversamente pode mudar o carácter da concorrência económica global, algo que não é abordado na teoria microeconómica padrão do comércio internacional. Esta questão do caracter da concorrência liga-se a economia institucional e fornece um outro e importante ângulo para o debate sobre a externalização global (Palley 2006). Esta também fornece uma ligação lógica para o debate relativamente à necessidade de regulação sobre o trabalho a nível internacional e sobre o respeito das normas ambientais (Palley 2004).

 

(Continua)

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