Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
Angela Merkel declarou heroicamente que iria “fazer o que fosse necessário” para salvar o euro. Confio que esta declaração reflecte o desejo sincero da chanceler em manter a Europa no que ela, num outro local, se referiu como sendo a sua “trajectória irreversível”. O problema é que, sob a liderança de Merkel, a Alemanha continua a pressionar para uma mistura inconsistente de ideais e de políticas “orientadas para a estabilidade”, políticas que, por seu lado, estão mais destinadas a destruir a moeda única europeia do que a reconstrui-la, do que a defendê-la. Deficiências fundamentais na estrutura do projecto original, o regime da união monetária de Maastricht que é um regime em grande parte “made in Germany”, são parcialmente responsáveis pelo que se tem estado a passar. Ironicamente foi a própria conduta da Alemanha como membro da União que terá conduzido o euro a uma situação em que pode levar um golpe potencialmente fatal. Absurdamente recompensada pelos mercados pela sua própria má conduta, a Alemanha encontra-se hoje mesmo numa posição bem reforçada na Europa e com as suas crenças em políticas erradas aparentemente sustentadas, aparentemente confirmadas. No entanto, se a Alemanha conseguir escapar à sua armadilha que é do ponto de vista intelectual singularmente bem obscura e tecida em torno de mitos como o marco e o Bundesbank, o caminho da Europa pode revelar-se reversível depois de tudo isto.
De acordo com a visão de excepção alemã, a saúde económica baseia-se na estabilidade dos preços e na estabilidade dos orçamentos governamentais. Mas isto não somente esquece que a boa saúde da economia alemã, embora tenha funcionado com taxas de câmbio nominais fixas no passado, na verdade actualmente deriva tanto da relativa estabilidade dos preços como de taxas de inflação mais baixas na Alemanha do que nos seus principais parceiros comerciais, tendo tudo isto assim oleado bem a máquina das exportações do país. O sucesso alemão do seu modelo essencialmente mercantilista depende do facto de o comportamento dos outros ser diferente do seu. Assim, enquanto a Europa convergiu para a velha norma da estabilidade dos preços nos dois por cento, a Alemanha tendeu a caminhar e a descer para um padrão mais baixo, baseado na estabilidade dos custos nominais unitários do trabalho. Ao longo do tempo, os ganhos cumulativos de competitividade foram-se estabelecendo e reforçando, dinamizando as exportações da Alemanha como nos velhos tempos. Em contrapartida, os países que se situaram na vizinhança dos dois por cento acordados na União, como a França, e mais ainda países que os ultrapassaram mesmo que pouco, como a Espanha e a Itália, viram a sua competitividade maciçamente corroída face à Alemanha.
Relativamente à norma dos dois por cento para a estabilidade do euro, a Alemanha é o verdadeiro estranho na união monetária europeia. E é aqui que reside a verdadeira origem da crise da dívida actual. Foi apenas com o euro que se completou o zelo europeu de há longo tempo em banir para sempre o risco de comportamentos assentes em desvalorizações competitivas, mas são precisamente comportamentos deste tipo — agora baseados na repressão sobre os custos salariais — que a Europa tem agora afinal.
Na Alemanha, a repressão salarial simultaneamente com a austeridade orçamental tem causado — previsivelmente —a estagnação do consumo e da procura interna. Calibrada através da média da União de que a Alemanha é apenas uma parte, a flexibilização da política monetária por parte do BCE revelou-se insuficiente para a própria Alemanha, mas excessiva para países com tendência para salários e preços mais elevados. Deixada de lado a coleira do mercado comum, que aparentemente não necessita de regulação financeira comum, de supervisão ou de apoios de regulação na crise como a aquisição maciça de títulos (crisis back-stops), o sistema bancário europeu liberalizado financiou as bolhas imobiliárias locais, tendo como contrapartida o aumento dos défices das balanças correntes dos países que sofreram os custos do sucesso das exportações alemães. Enquanto o principal país com excedentes, a Alemanha, acumulou em termos líquidos activos externos e os países deficitários acumularam dívida externa, as autoridades sonhavam ao volante como se os desequilíbrios das balanças correntes dentro de uma união monetária não tivessem qualquer importância. Na verdade, eles são actualmente mais importantes, pelo menos numa união monetária que também não é uma união orçamental, uma vez que a solução da taxa de câmbio deixou de estar disponível.
É inútil negar a causa final da quebra do euro: a recusa da Alemanha de uma regra de ouro de uma união monetária, o compromisso de uma taxa de inflação comum. A super competitividade da Alemanha, obtida pela desinflação dos salários, em vez de o ser pelos ganhos de produtividade, levou à falência dos seus parceiros.
Os credores estão a apelar para que se aplique a lei tanto quanto os problemas dos devedores estão de alguma forma a serem vistos como não sendo os deles. E a Alemanha está mesmo a ser recompensada com taxas de juro extremamente baixas quando vai aos mercados. E as crenças da política alemã acerca da forma como ultrapassar a crise da balança de pagamentos da zona euro estão agora a asfixiar a Europa. E a austeridade sem limites que por todo o Continente está a ser aplicada só pode significar uma compressão geral dos rendimentos — excepto para ajuda externa à zona.
A situação não seria tão difícil se todos os parceiros estivessem a convergir para a trajectória da estabilidade dos dois por cento que a União tinha inicialmente estabelecido. A França estaria agora bem, a Itália e a Espanha enfrentariam uma desinflação limitada e a Alemanha estaria perante uma situação de relançamento. Em vez disso, como a Alemanha está a forçar a Europa a convergir para o seu próprio novo padrão, socialmente mais baixo, mesmo a França está a enfrentar agora uma deflação da dívida, para não mencionar outros. A Grécia é apenas um espectáculo à parte de tudo isso.
Substituindo os empréstimos por transferências, a própria união orçamental poderia salvar e fortalecer o euro da noite para o dia. Por outro lado, a liquidez do BCE não pode provocar desequilíbrios de competitividade e os correspondentes fluxos de dívida desaparecerem, mesmo quando as dívidas tóxicas se acumulam agora nas contas do Euro-sistema. Então aqui temos o trilema do euro: a Alemanha não pode ter em conjunto eternos excedentes de exportação, uma união que não resgata os seus Estados-membros e um banco central independente e “limpo”.
The author is professor of economics at Skidmore College, New York