Diário de Bordo de 18 de Abril de 2012

Hoje celebra-se o 170º ano do nascimento de Antero de Quental e quando, relendo-o, deparamos com a sua lucidez, com a inteligência com que lia a realidade portuguesa, a aguda interpretação que fazia do tempo que lhe coube viver, apercebemo-nos de quanto é estulta, entendida da forma corrente, a expressão «evolução das mentalidades». Em quase um século e meio decorrido, a qualidade da classe política baixou de uma forma significativa, descendo a níveis éticos que seriam impensáveis nessa segunda metade do século XIX.

 

Há novos sinais de agitação entre a classe política que nos devem preocupar, pois uma das coisas que aprendemos desde que as mentiras de Sócrates foram substituídas pelas “verdades lápsicas” de Coelho, foi que a diferença entre uma afirmação tranquilizadora e uma medida terrorista, é igual a zero, sendo o zero substituído por um décimo primeiro algarismo – o lapso.

 

Portanto, o facto de Passos Coelho ou Gaspar terem dito há tempos que a Segurança Social não estava em causa em nada nos pode tranquilizar. Passos Coelho já diz agora que a sustentabilidade da Segurança Social não pode ser garantida. Logo ontem o secretário geral do Partido Socialista nas jornadas parlamentares aproveitou para dizer que o Governo «está à nora». Também ontem, o ex-presidente do PSD, Marcelo Rebello de Sousa, num intervalo de um seminário sobre o «direito da família» opinou que o Governo tem de explicar frontalmente ao País o que significam as palavras do chefe do executivo.

 

Diríamos que quem «está à nora», ou usando a expressão de Vicente Jorge Silva, quem está «à rasca», somos nós, os governados. Quando se difundiu o conceito de geração «à rasca», fomos dos que considerámos que a ideia era redutora, pois com governantes como estes e com oposições como a de Seguro, quem está à nora somos nós todos, seja qual for a geração  a que pertencemos.

 

Numa carta datada de 1871, dizia Antero a um amigo – De plano em plano, e de desejo em desejo, vou descendo lentamente a espiral dos desenganos. O que diria ele hoje desta gente sem vergonha que, de aldrabice em aldrabice, ou de lapso em lapso, vai como as toupeiras deixado para trás a luz e rastejando para a escuridão?

 

Em 38 anos apenas, tudo o que a luminosa manhã nos restituiu, nos vai sendo roubado. A espiral descendente dos desenganos estamos a descê-la empurrados por uma lógica que nada tem a ver com os nossos direitos de cidadania. Como podemos aceitar que as “razões” do neo-liberalismo nos sejam impostas como evidências?  

 

 

O Governo (e a “oposição”) estariam à nora se fossem obrigados perante um tribunal a explicar as agressões que, ao longo destas quase quatro décadas,  têm vindo a cometer contra os direitos constitucionais dos cidadãos, fazendo letra morta de princípios consignados como inalienáveis.

 

Até quando nós vamos aguentar isto? Até quando?

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