Uma comovente carta dirigida ao povo francês por Yiannis Makridakis, escritor. Com um sentimento de gratidão e respeito, este jovem escritor solicitou a publicação através da revista Marianne 2.
(Traduzido e enviado por Júlio Marques Mota)
Caros franceses e concidadãos europeus
Dirijo-me a todos , não só pela vossa tradição democrática e pela vossa luta pelos direitos humanos, mas também porque o vosso país e alguns franceses esclarecidos do passado, tais como Octave Merlier em 1945, bem como muitas outras figuras famosas ou anónimas, se prontificaram a apoiar e ajudar os cidadãos gregos e os combatentes da resistência nos momentos históricos da guerra civil (1946-1949) e da ditadura militar na Grécia (1967-1973).
Estou a lançar-vos um grito de angústia e de indignação por causa do que tem estado a acontecer no meu país nestes últimos dois anos, sob o pretexto de uma política económica que visa fazer-nos sair da crise.
Dirijo-me a todos como uma última esperança, entretanto, esperando despertar os vossos sentimentos democráticos e humanitários, para mobilizara vossa reacção através de textos de movimentos, afim de mudar o rumo da Europa, que, a começar pela Grécia está a deslocar-se e a curvar-se perante uma governação feita por regimes totalitários.
Na Grécia, caros cidadãos franceses e europeus, acreditamos que, desde há muito tempo, estamos sob um regime ditatorial.
Os partidos políticos e os seus representantes no Parlamento foram eleitos em 2009, quando a situação política na Grécia era completamente diferente e nada preconizava o que estamos a hoje viver. Os partidos políticos, os partidos no poder não disseram uma palavra aos cidadãos sobrea crise económica e sobre a dívida nos seus programas eleitorais. No entanto, chegaram ao poder sob o slogan “O dinheiro, existe.”
E depois de alguns meses, sem a aprovação dos cidadãos gregos, os partidos no poder levaram o nosso país ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e, sob a supervisão da Troika, assinaram o primeiro Memorando de Entendimento (o plano de austeridade).
Não vos vou aborrecer descrevendo-vos as circunstâncias, que já conhecem muito bem através das muitas referências e relatórios dos media. Direi apenas que o fracasso do primeiro protocolo de austeridade (Memorandum 1) levou o país a uma grande recessão económica e levou a sociedade a uma situação de pobreza e de decadência.
Na sequência deste desvio inicial no plano político, uma vez que o protocolo foi assinado sem que o cidadão grego tenha concordado , um segundo, ainda mais gravoso se lhe seguiu. O primeiro-ministro grego George A. Papandreou, eleito em 2009, renunciou e Lucas Papademos, ex-banqueiro e membro do Banco Central Europeu, foi nomeado primeiro-ministro em seu lugar.
Um governo não eleito, liderado pelo primeiro-ministro Lucas Papademos, continuou a colocar os dilemas de chantagem para os cidadãos gregos com a finalidade de assinar um novo Memorando, que tranquilizasse para sempre todos os credores no país, planeia vender uma parte de soberania nacional da Grécia, empobrece ainda mais os cidadãos gregos, impõe que se vendam os seus recursos nacionais, atira o país para uma recessão ainda mais profunda, com todas as consequências que isso pode trazer para uma sociedade entretanto já desorganizada.
Em paralelo, o governo não eleito adoptou uma violência sem precedentes e ilegítima contra os cidadãos gregos, que, por vezes através de comícios ou manifestações tentaram protestar.
Por ter tudo assinado sem o conhecimento dos cidadãos gregos no Memorando 2, o governo não eleito aceitou a condição de assegurar de uma forma constitucional a amortização da dívida. Isso quer dizer que este governo não eleito alterou a Constituição grega a favor dos credores.
As eleições na Grécia, se ocorrerem um dia, deixarão de fazer sentido, uma vez que o governo nomeado actual assinou acordos que vinculam os governos futuros. Assim, envolveram os cidadãos gregos e a sociedade grega durante pelo menos oito anos, até 2020, ano em que, de acordo com o cenário mais optimista, a dívida grega será de 120% do Produto Interno Bruto (PIB), tal qual era assim em 2009, quando das últimas eleições .
Caros franceses e concidadão europeus .
Nós,os gregos, vivemos sob a ditadura dos mercados, sofremos o pior de tudo o que sofremos não é nem a pobreza nem é a miséria, mas o desespero, porque não nos podemos expressar como indivíduos e como cidadãos. Somos prisioneiros de quem nos governou durante trinta anos, daqueles que nos últimos dois anos, mudaram de máscara, fingem ser inocentes, os reformadores, assinam todos os contratos e memorandos que só servem os interesses dos credores e batem impiedosamente sobre cada manifestante pacífico que se sente sufocado pela injustiça acumulada, empregando a repressão policial e as armas químicas.
Caros franceses e concidadãos europeus, peço-vos que tentem ter uma ideia do nosso futuro comum – o da Europa também. A Grécia não é a vítima. A Grécia é a primeira vítima. É uma cobaia. Se os objectivos forem alcançados, o que não está longe de se concretizar, a fórmula será aplicada a outros países, tendo como consequência a transformação da Europa dos cidadãos numa Europa dos agentes económicos e politicamente miseráveis.
Na Grécia, berço da democracia, de Chios, a ilha onde moro, que se encontra localizada na fronteira da União Europeia, em frente à costa turca, lanço um grito com toda a força que me resta e peço a vossa ajuda porque o nosso presente aqui está privado de direito de expressão política e o nosso futuro não existe.
Obrigado e conto com a vossa ajuda para fazer ouvir a nossa voz e em conjunto podermos finalmente lutar por uma Europa de rosto humano.
Disponível em Marianne 2 http://www.marianne2.fr/Le-cri-d-alarme-de-l-ecrivain-Makridakis_a216399.html
Não sei por que motivo Yiannis Makridakis se dirige aos franceses. Faria todo o sentido que esta carta fosse endereçada aos que estão, ou irão estar em breve, na mesma situação em que os gregos se encontram, nomeadamente os portugueses. Ou, como ele diz, sendo previsível que a crise se estenda a toda a UE, a todos os cidadãos da União. Penso que esta crença na solidariedade francesa terá a ver com o papel que os intelectuais franceses do Romantismo tiveram na redescoberta da Grécia. Nem só os franceses – Lord Byron lutou contra os turcos, pois a Grécia estava sob o domínio do Império otomano; porém o francês era a língua franca e os intelectuais gregos usavam-na como segundo idioma. Um atavismo que leva Makridakis a dirigir-se ao povo francês? Ou será a consciência de que a França faz parte integrante do problema e nunca de lá virá a solução?
Talvez, Carlos, as pessoas estejam esperançadas na eleição de François Hollande e que, assim, a Senhora Merkel fique sozinha.Claro que F. Hollande será sempre melhor do que o pindérico (leia-se pilantra) do Sarkozy, mas hoje o PS francês tem muito pouco de socialista.