As revoluções árabes, um ano depois – 3 – por Samir Amin

 

 

(Transcrito, com a devida vénia, de Diário Liberdade)

 

A geoestratégia do imperialismo e a questão democrática

 

Quis mostrar neste texto que a despolitização tem sido fundamental para a ascensão do islamismo político. Esta despolitização não é, evidentemente, específica do Egito nasserista. Ela tem sido a prática dominante em todas as experiências nacionais populares do primeiro despertar do Sul, e até mesmo nos socialismos históricos, uma vez terminda a a primeira fase de fervor revolucionário. O denominador comum tem sido a supressão da prática democrática (que não reduzo a eleições multi-partidárias), que é o respeito pela diversidade de opiniões e propostas políticas, e sua eventual organização.

 

A politização exige democracia. E a democracia só existe quando os “adversários” são livres. Em todos os casos, a sua supressão, que resulta na despolitização, é responsável pela posterior desastre. Este assume a forma de anacronismos (religiosos ou outros), ou a adesão ao consumismo e ao falso individualismo, promovido pelos meios de comunicação ocidentais, como foi o caso dos povos da Europa Oriental e da ex-URSS, e como é o caso em outras partes, não só das classes médias (potenciais beneficiárias do desenvolvimento), mas também no seio das classes populares, que, na ausência de qualquer alternativa, também aspiram a beneficiar, mesmo que em escala muito pequena (o que é perfeitamente compreensível e legítimo) .

 

No caso das sociedades muçulmanas, esta despolitização é a forma principal de regresso (aparente) do islamismo. A articulação que associa o poder do Islão político reacionário, a submissão “compradora” e a pauperização pela informalização da economia de bazar não é específica do Egito. Ela caracteriza a maioria das sociedades árabes e muçulmanas até ao Paquistão e mais além. Esta mesma articulação existe no Irã: o triunfo da economia de bazar tinha sido assinalada desde o início como o principal resultado da “revolução de Khomeini”. A mesma articulação poder islâmico / economia de mercado de bazar devastou a Somália, agora apagada do mapa das nações existentes

 

 

Que se pode então imaginar se este Islão político assume o poder no Egito ou em outro lugar?

 

Invadem-nos os discursos tranquilizantes , de uma ingenuidade incrível, sincera ou falsa. Alguns dizem: “Era inevitável, as nossas sociedades estão impregnadas pelo Islão, tentamos ignorá-lo e ele impôs-se.” Como se o sucesso do Islão político não se devesse à despolitização e à degradação social que se quer ignorar. “Isto não é tão perigoso, o sucesso é efêmero e o fracasso do poder exercido pelo Islão político levará a que a opinião pública se afaste dele.” Como se a Irmandade Muçulmana aderisse ao princípio do respeito dos princípios democráticos! Como em Washington parecem acreditar as “opiniões” feitos pelos meios de comunicação dominantes, e a corte de “intelectuais” árabes, por oportunismo ou falta de lucidez.

 

Não. O exercício do poder pelo Islão político reacionário está destinado a durar… 50 anos? E entretanto contribuirá para afundar na insignificância do cenário mundial as sociedades que submeterá, enquanto os “outros” continuarão a avançar. No final desta triste “transição”, os países envolvidos encontrar-se-ão na parte inferior da escala da classificação mundial.

 

A questão da politização democrática constitui, no mundo árabe e no resto do mundo, o eixo central do desafio. A nossa época não é de progressos democráticos, mas de regressão. A extrema centralização do capital monopolista permite e exige a submissão total e incondicional do poder político às suas ordens. A ênfase dos poderes presidenciais, aparentemente individualizados ao extremo, mas de fato inteiramente sujeitos à plutocracia financeira, é a forma desta deriva que aniquila o alcance da defunta democracia burguesa (ela mesma reforçada no seu tempo pelas conquistas dos trabalhadores) agora substituída pela farsa democrática.

Nas periferias, os embriões de democracia, quando presentes, associados a regressões sociais ainda mais violentas do que nos centros do sistema, perdem toda a credibilidade.

 

O retrocesso da democracia é sinônimo de despolitização. Porque a democracia implica a afirmação na cena de cidadãos capazes de formular projetos de sociedade alternativos, não apenas a perspectiva de “alternância” (sem mudanças) através de eleições.

 

Desaparecido o cidadão sem imaginação criativa, sucede-lhe o indivíduo despolitizado, que é um espetador passivo da cena política, um consumidor modelado pelo sistema, que se julga (erradamente) um indivíduo livre. São tarefas inseparáveis avançar pelos caminhos da democratização das sociedades e da re-politização dos povos.

 

Mas, por onde começar? O movimento pode ter início a partir de qualquer um destes dois pólos. Nada pode substituir a análise concreta de situações concretas, na Argélia, no Egito como na Grécia, na China, no Congo, na Bolívia, na França ou na Alemanha.

 

Na falta de progressos visíveis nesta direção o mundo vai entrar, como de fato já está, numa tempestade caótica associada à implosão do sistema. Então, é de se temer o pior.

 

Leave a Reply