Diário de bordo de 22 de Abril de 2012

 

 

 

 

Ontem publicámos uma carta de um jovem escritor grego Yianis Makridakis  – apelava para a fraternidade do povo francês para com a Grécia. E falava na herança que todos nós, europeus, recebemos da Grécia. É uma ideia verdadeiramente peregrina esta de que se pode abrir uma conta à ordem com os depósitos a prazo que fizemos no passado. O Egipto e a Grécia e o esplendor das suas culturas, Portugal e os «novos mundos que deu ao mundo», França, que além de 1789, nos ofereceu as barricadas da Comuna… Israel segue o mesmo princípio e quer cobrar os dividendos do Holocausto. Mas as dívidas históricas não são para pagar. Circula pela net um texto dizendo que a ingratidão das nações, tal como a das pessoas, é acompanhada pela falta de memória. E dá exemplos.

 

Em 1953, a Alemanha de Adenauer, como a Grécia e Portugal nos nossos dias, entrou em colapso económico e teve de negociar os 16 mil milhões de marcos que devia desde o crash de 1929 e que lhe tinham sido emprestados pelos EUA, pela França e pelo Reino Unido. Outro tanto devia desde 1953 aos Estados Unidos. 32 mil milhões foram reduzidos a 15 mil milhões e com um prazo de 30 anos para pagar, sendo que nos primeiros 20 a Alemanha não fez qualquer pagamento. A dívida alemã foi avalizada por países como a Grécia, a Bélgica, o Canadá, Ceilão, a Dinamarca, França, o Irão, a Irlanda, a Itália, o Liechtenstein, o Luxemburgo, a Noruega, o Paquistão, a Espanha, a Suécia, a Suíça, a África do Sul, o Reino Unido, a Irlanda do Norte, os EUA e a Jugoslávia.  Ou seja, um país que acabara de agredir selvaticamente a Europa e o Mundo, provocando a morte de muitos milhões de pessoas e a destruição de bens materiais de incalculável valor, beneficiou da solidariedade internacional e pôde reconstruir a sua economia.

 

A Grécia, que foi invadida pelas hordas nazis e os gregos submetidos a uma brutalidade sem precedentes na história contemporânea,  participou no esforço internacional para salvar a Alemanha da terrível bancarrota em que se encontrava. Os custos materiais da ocupação alemã da Grécia foram estimados em 162 mil milhões de euros sem juros –  navios bombardeados ou capturados, durante o período de neutralidade, danos causados à economia grega compensações às vítimas do exército alemão de ocupação – mais de um milhão de pessoas (40 mil executadas, 12 mil abatidas, 70 mil mortas no campo de batalha, 105 mil em campos de concentração na Alemanha, e 600 mil que pereceram de fome). Além de tudo isto, os nazis roubaram tesouros arqueológicos gregos de valor incalculável.

 

Perante a actual crise grega, o que diz a direita parlamentar  alemã? – que a Grécia devia vender edifícios históricos e objectos de arte para reduzir a dívida;tomar medidas de austeridade impostas, cortes no sector público, congelamento de pensões. Deviam vender algumas ilhas, defenderam dois líderes da CDU, Josef Schlarmann e Frank Schaeffler, do partido da madame Merkel. Estes dois senhores chegaram a alvitrar que vendessem o Parténon e ilhas gregas no  Egeu, para evitar a bancarrota. “Quem está insolvente deve vender o que possui para pagar aos credores”. Após a Segunda Guerra, o que tinha a Alemanha para vender  além dos corpos de milhões de prostitutas, que valiam um par de meias de vidro ou meia-dúzia de laranjas? Se, gregos e portugueses, tivéssemos o método, o rigor, o calculismo e o sentido das oportunidades germãnicos, talvez tivéssemos podido comprar por tuta e meia a nacionalidade de Goethe, que seria agora português. Talvez os gregos tivessem podido fazer uma subscrição para comprar a invenção de Gutenberg… O poeta português João Goethe da Silva e o inventor grego da imprensa Yiannis Gutenberg von Theotokis. Tudo joões… 

 

 

 

Yiannis  Makridakis tem toda a razão e legitimidade para pedir a solidariedade europeia e francesa para com o seu país – todos somos devedores da Grécia. Mas este João foi queixar-se de um agiota batendo à porta de um prestamista. A Alemanha tem gente admirável. Os alemães são encantadores, mas conservam a tradição histórica de se deixar dominar por miseráveis. Afinal, não é o que acontece com todos os povos?

 

 

 

 

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