As comparações homéricas e a dívida pública espanhola, por Edward Hugh – V
“Nihil sapientiae odiosius acumine nimio“ (Nada é mais odioso para a sabedoria do que a esperteza em excesso)
Petrarch, “De Remediis utriusque Fortunae”
Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
(Continuação)
O défice era devido a um certo número de factores. Em primeiro lugar, os recém-entrados a receber no sistema são pagos muito mais do que aqueles que estão a deixá-lo (por morte ou por outras razões) – 35% mais, na verdade, uma vez que o pagamento médio mensal em 2010 foi de cerca de 800 Euros, enquanto a média de pagamento aos novos entrados no sistema foi já de 1.100 Euros. Em segundo lugar a demografia da Espanha, está a evoluir contra o próprio fundo, uma vez que diminui o número de trabalhadores a contribuir e aumenta o número de idosos dependentes, a relação entre os dois grupos desce. Hoje esta relação está em torno de 2,4, e muitos especialistas estimam que o sistema de pensões vai-se tornar crítico quando esta relação descer para um ratio inferior a 2.
Actualmente, existem pouco menos de 17 milhões de contribuintes, mas a posição é pior do que parece, uma vez que destes estão actualmente três milhões desempregados, com as suas contribuições a serem pagas por um outro departamento, e estas contribuições terminarão quando os indivíduos envolvidos esgotarem os seus direitos de estarem na situação de desempregados. De acordo com o especialista espanhol em pensões do sistema público José Mario Paredes Rodríguez “os dados sobre os ratios dos contribuintes pensionistas é totalmente enganador”, já que o governo continua a contar como contribuintes aqueles para quem está a fazer pagamentos ” e o cálculo é completamente irreal pois o que precisamos de saber é de quantas pessoas estão realmente a trabalhar por pensionista que está a ser apoiado “.
Por isso temos realmente um verdadeira situação do tipo “estar roubar Pedro para pagar a Paulo ” onde os números são puro malabarismo mas em que a dívida logicamente permanece por aí inalterada. . Os riscos associados a esta situação foram postos a nu com a recente reestruturação da dívida grega, uma vez que uma das questões-chave que levou os políticos gregos à mesa das negociações foi a ameaça de ver as reservas do seu fundo de pensões desfazerem-se em fumo no caso de uma dura situação de incumprimento.
Segundo o Wall Street Journal
“A carteira total de títulos gregos que os fundos de pensão gregos possuem é de 27 mil milhões de euros “, disse Venizelos. “Essa carteira está a ser substituída por dinheiro, por novos, por melhores títulos de muito maior alto valor actualizado e, além disso, o Parlamento já aprovou a criação de um organismo público especial através do qual se fará a transferência de bens públicos para os fundos”, acrescentou.
E segundo Bloomberg
“O dilema que estamos a enfrentar são ou fazemos cortes para que possamos permanecer de pé sobre os nossos próprios pés, para salvar o sistema de pensões do país e as pensões ou então temos o colapso económico”, disse o ministro das Finanças, Evangelos Venizelos, aos legisladores do partido da oposição no Parlamento, hoje. Sem o swap que foi acordado sobre a dívida, os fundos de pensões do país seriam eliminados, seriam reduzidos a zero, disse ele. A dívida do governo central do país que não inclui a dívida das organizações dos governamentais locais, das empresas estatais ou de fundos de pensão, era de 368 mil milhões de euros no final de 2011, disse o ministério hoje, ou seja, um valor que representa 171 por cento da economia, de acordo com os cálculos da Bloomberg “.
Então o que é o nível actual da dívida espanhola? Bem, se fizermos um cálculo muito rápido e por alto e começarmos pelo facto de que a dívida segundo o Eurostat é actualmente de cerca de 70% do PIB, então, adicione-lhe a seguir, 7% para as facturas por pagar e 5% para dívida das empresas públicas e 5% para a dívida pública detida pelo fundo de pensões, então chegamos a um total de cerca de 87%, o que se assemelha ao valor altamente preocupante, como os 877 mil milhões de Euros a que nos referimos anteriormente nas contas financeiras que aí apresentámos.
E depois há os passivos contingentes
O problema é que isso ainda não é tudo. Temos também os passivos contingentes do Estado em que devemos também pensar. Isto – grosso modo – aparece em quatro formas: garantias bancárias, a exposição da dívida ao sistema financeiro através de FROB, o Instituto Governamental de Crédito Oficial (ICO) e o Fundo de Tarifas da Electricidade, FADE.
Do lado das garantias, os últimos dados que temos é para um total de 88,6 mil milhões de euros no final do terceiro trimestre de 2011, mas este número é quase certamente mais alto agora, uma vez que o governo tem garantido a dívida em várias frentes com o objectivo único e exclusivo que este poderia ser retomado pelo BCE ao ser tomado como garantia nas operações de financiamento de longo prazo, as LTRO . Em qualquer caso, é o Estado espanhol (e não o BCE), que é finalmente responsável por esses empréstimos se o banco em causa ou outra entidade for incapaz de assumir os seus compromissos.
No caso de FROB (Fundo de Reestruturação Ordenada de Banco) a verdadeira extensão da exposição do governo é difícil de medir, uma vez que enquanto a quantidade efectivamente disponibilizada pelo fundo até à data não é grande (14,8 mil milhões de euros – ver esta apresentação – e 9 mil milhões de euros de dívida FROB que foi pré-capitalizada) uma série de bancos de poupança estão efectivamente nacionalizados , enquanto outros que são dependentes de FROB para empréstimos poderão precisar de intervenção. Então, tudo o que aqui podemos dizer com segurança é que o número envolvido é dificilmente trivial, e de como é também “não trivial” o número final de que vai depender todo o futuro da dívida pública da Espanha.
Quanto à situação em que está o ICO, a organização tem actualmente uma exposição de 27 mil milhões de Euros, tudo garantido pelo Estado. Agora grande parte deste dinheiro foi utilizado em empréstimos e muito do que foi emprestado será devolvido , razão pela qual este é um passivo contingente. Ao mesmo tempo a actual administração vê claramente um papel reforçado para ICO (a ajudar os governos regionais a eliminar o seu atraso de facturas não pagas, por exemplo), e é então provável que o volume da dívida continue a crescer.
Finalmente, temos o fundo chamado FADE (Fondo de Amortización del Déficit Eléctrico). Agora, apesar do nome, uma coisa é certa, a dívida gerada por este organismo não desaparece (FADE em inglês significa desaparecer), uma vez que esta é crescente mês a mês, ano a ano. A posição é descrita na literatura como uma dívida que está a ser acumulada pelos consumidores (cerca de 24 mil milhões de euros de dívida acumulada), e que é garantida pelo governo. Tal como o estado das suas economias no sistema de pensões, a maioria dos consumidores de energia eléctrica são totalmente ignorantes do facto de que eles estão a adquirir essa dívida, ou melhor, que esta está a ser adquirida em seu nome. Essencialmente, esta situação é levantada uma vez que o governo está relutante em cobrar um preço económico pela electricidade. Naturalmente, um país em que com a política governamental se está a criar um défice em energia na sua conta corrente então esta é uma prática altamente questionável, mas depois, aqui somos nós todos a assumir, a pagar.
Basicamente todos os meses é menos dinheiro que nos vem facturado e que é atribuído às contas das empresas de electricidade. As perdas são compensadas por empréstimos. O serviço da dívida destes empréstimos é – cada um de nós tem que – pago com algumas das receitas das facturas de electricidade. Mas, naturalmente, como o défice cresce – actualmente é cerca de 24 mil milhões de euros – mais fluxos de rendimento são necessários para o serviço da dívida existente, e – yup, tudo isto tem a ver com todos nós, de novo – o défice cresce. A única solução real para este caos seria aumentar as tarifas de electricidade, mas num ambiente de aumento do desemprego e de queda dos salários não há grandes limites para o que o governo possa fazer a este respeito. Então, enquanto tenho a certeza de que a UE irá eventualmente insistir em tarifas mais elevadas, é difícil ver que estas possam ser levantadas em valor suficiente para pagar a dívida acumulada, e assim o governo vai precisar quase de certeza de ter que “engolir” esta situação, o que significa – yup cada um de nós tem a ver com isto, de novo – mais 2% ou mais ainda na conta da dívida.
Só para finalizar, existem alguns outros pequenos detalhes, como as parcerias publico‑privadas constituídas para a realização de infra-estruturas. Veja-se, por exemplo, as auto-estradas em que muitas delas (especialmente em torno de Madrid) foram planeadas no auge do boom, quando o tráfego era intenso – o sector privado era, naturalmente, pago de acordo com o número de carros que utilizam a auto-estrada. Agora com a crise o volume de tráfego diminuiu consideravelmente por todo o lado (esta é uma das poucas vantagens que tenho notado em toda essa difícil confusão e é agora muito mais fácil deslocarmo-nos na zona de Barcelona). E com a queda do tráfego, os rendimentos caíram, a tal ponto que as empresas participantes deixaram de ser capazes de honrar o seu serviço da dívida. Os especialistas sugerem que a quantidade total envolvida é de cerca de 4 mil milhões de euros – uns amendoins é o que se pode ser levado a pensar em comparação com as outras coisas para as quais temos estado a olhar mas, como se diz em espanhol, tudo está a somar, “todo suma”-
(Continua)