Nas lendas populares há imagens recorrentes, independentemente dos povos em cujo imaginário se enraízam. O milagre das rosas que os portugueses reivindicam, e que é protagonizado por Isabel de Aragão, a mulher de D. Dinis, é igualmente reivindicado pelos húngaros e praticado por Isabel da Hungria, por sinal tia materna de Isabel de Aragão e também canonizada pela Igreja Católica. Acresce a favor da Santa Isabel da Hungria o facto de ter nascido muito antes. Milagres dos séculos XIII e XIV, não havia internet e, pelos vistos, a ICAR não respeita o Código de Direitos de Autor – mas quer que respeitemos feriados religiosos!
São Jorge, santo que a Igreja em 1969 excluiu do calendário litúrgico, foi padroeiro de Portugal e de muitos outros países o que é proeza de monta para um santo que Igreja denuncia como não o sendo. É padroeiro da Catalunha – S. Jordi, celebrado em 23 de Abril, hoje. Segundo a lenda, São Jorge (só Jorge, segundo o Vaticano) matou o dragão que atemorizava o povo. No sangue do dragão floresceu gentilmente uma rosa que o santo gentilmente colheu dando-a de presente à sua princesa. A lenda é referida desde o século IX.
Manda a tradição que os namorados devem neste dia dar de presente livros. No Vaticano não se respeita nem o Código de Direitos de Autor nem as leis que regulam a concorrência, pois um santo com diploma obtido sabe-se lá onde (na Independente?) faz concorrência a São Valentim – apoiado pelos lóbis norte-americanos, nomeadamente pela Coca-Cola representada por um lapão que dá pelo nome de Pai Natal. E a Igreja não protesta como fez agora relativamente à ideia do actual governo português ter dito que ia eliminar dois feriados religiosos.
O que é sábio por parte dos catalães é terem convertido uma festa da tradição popular no Dia do Livro. É bonito ver as Ramblas com jovens e menos jovens trocando livros e beijos. Dirão – mas é a mesma manobra comercial do Dia de São Valentim – usar uma lenda para incitar ao consumo. Será. Mas consumir livros é que não é o mesmo. O livro é um produto comercial, mas é também um produto diferente.
Neste dia, as ruas de Barcelona enchem-se de rosas e de livros. As Ramblas logo pela manhã se transformam num mar de vendedores e de compradores de livros. Ao longo do dia os escritores mais populares autografam os exemplares dos leitores, tanto na rua como em livrarias. Em 1995 a UNESCO declarou o dia 23 de Abril como o Dia Internacional do Livro. Há santos e santos. Há milagres e milagres…