O TERRORISMO COMEÇA NA INFÂNCIA – por Raúl Iturra

 

               Hipótese de Etnopsicologia

 

Vários conceitos são debatidos hoje em dia em relação à infância. Essa infância que começa aos quatro meses da conceição do ser humano e acaba, no dizer dos meus santos padroeiros, pelos quatro ou cinco anos. Com a entrada da criança no entendimento da História, na conceição de não ser o único na terra, nem o mais amado entre todos os seus pares e/ou membros de família. Em síntese, no entendimento de ser mais um membro do grupo social que o acolhe, ama, forma e educa ou faz dele um membro da interação social.

 

Não consigo esquecer o fuzilamento de um delinquente: tinha eu cinco ou seis anos, ele, 40. Era para mim um herói nacional apenas pela tristeza que causava no meu entendimento e sentimento o poder de outros, mais bem formados, lidos e estudados. Eu tinha já lido Shakespeare, Mitos Gregos, Dickens, Neruda, Mistral, aliciado pelos doces pais de um querido lar, face ao homicida de quem não sabia ler nem escrever e não tinha trabalho. O seu saber era beber e bater: o Tucho Caldera, alcunha e nome. E era o meu herói: nem soluçou na leitura da sentencia de morte dos Doutos Magistrados do Tribunal da Burguesia que comandava o país. Abandonado pelo pai primeiro, mal tratado pela mãe a seguir, um Chaplin do Século XX. A sua escola foi a rua, a luta com os iguais, a mendicidade, a fuga ao saber denominado erudito ou, como gosto dizer, ao saber público que faz de um ser humano uma entidade obediente à lei. Se assim não fosse, seriam os orfanatos, a cadeia para menores sem escola de aprendizagem da pedofilia e da homossexualidade. Dois conceitos que os meus santos padroeiros não apenas tinham condenado, bem como denominado de aberração sexual. Talvez, até ao dia de hoje, pelos Católicos Fatimizados que habitam a nossa terra ou pelos industriais capazes como dizem Gracchus Nöel Babeuf no seu Manifeste de Plébéiens (1785); Sylvian Marechal, no seu Manifeste dès Égaux (1795); Marx e Engels no Manifeste Communiste (1848) e o Menchevique de Durkheim (1885) no seu Manifesto Socialista (1924) todos criticam um segundo conceito: o saber dos proprietários dos meios de produção em retirar a mais -valia do resultado do trabalho dos que nada têm, excepto a sua capacidade e força de trabalho e muita família que possa juntar bens e uma certa riqueza no viverem juntos e compartilharem o teito e a panela, como diria Jack Goody em 1993.

 

Manifestos todos eles não aplicados à vida do Tucho Caldeira, o meu herói. Babeuf foi guilhotinado pelo seu manifesto, Marechal expulso do partido de Babeuf, os Jacobinos e exilado, Marx na pobreza e fora do seu país, alcoolizado. Todos estes tinham começado as suas vidas num berço de ouro e acabam da forma proscrita que relato.

 

Porque o terrorismo nasce na infância. No meio da obediência à lei, à família, à interação, especialmente, às ideias religiosas. As que ordenam uma subordinação que mata o inimigo, de outras ideias, os de outras práticas sociais, de outros comércios. Os que, por defenderem a sua causa divinizada, fazem o bem enquanto organizam as formas de trabalho que permitem o pensamento e a definição de outros conceitos mencionados no começo de este texto. A defesa que os pais precisam organizar, à Friedman, é estar perto do sítio no qual a sua criança cresce. A divisão do trabalho, definida em 1892 por Durkheim, passa dos liberais e socialistas aos que trabalham para sustentar a casa, aos que organizam comités de vigilância e evitam o assalto ou atropelo das suas crianças e docentes. O Direitos Humanos não apenas definem a integridade da pessoa, bem como a vida sem temor, livre, longe do medo vivido por todos nós em datas como as do dia  11 de Setembro,  ou por outros, como eu, ainda antes.

 

Dickens, Shakespeare, e todos os referidos antes por mim, não são sujeitos do que a minha antiga estudante, hoje Ministra da Educação, gostava de ver: uma população capaz de entender a História pelo entendimento dos seus acontecimentos, pelo facto da arrogância de um dos seus grupos que ataca primeiro por causa de uma riqueza, ataque ripostado, e a organização de um imenso grupo de países, maior do que no Século XIX que entra em luta. O Século XVII é a libertação da submissão do ser humano ao ser humano, o XIX o da delimitação de fronteiras de Países e Identidades, o XX a apropriação possível da mais-valia, enquanto o XXI que começamos, a aprendizagem da defesa pessoal pelos próprios membros da família.

 

Arrogância e raiva que começa na infância, da forma que analisamos com Alice Miller em The Natural Child Project. A criança natural é a que atropela até a sua submissão. O motor de partida é o erotismo insatisfeito que é aprendido ao entender a História, desenvolvido a resiliência, do que vamos tratar em outro texto.

 

A seguir – O stress

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