*Jurista
Eis uma enorme confusão que vem sendo veiculada, quer pelo Governo, quer pela maior parte dos media: dizem que o plafonamento das pensões é o mesmo que o plafonamento das contribuições…Não é. O montante das pensões no regime geral da segurança social tem uma fórmula de cálculo fixada por lei: P = (2/100 x N) x RR, em que P (pensão estatutária) é igual á taxa global de 2% por ano (com um mínimo de 30% e um máximo de 80%), vezes N (número da anos civis com pelo menos 120 dias de remunerações registadas, no mínimo) vezes RR (10/140) que é remuneração de referência, que consiste na média dos 10 melhores dos últimos 15 anos, e divididos por 140, ou seja 14 MESES . Como se pode ver, o Governo corta mesmo aos reformados uma parte da sua pensão, pois o valor global da mesma já foi dividido por 14 meses, e não 12 como quer fazer crer a muita gente…
O que o Governo diz, mas não pode provar, é que existam Pensões “milionárias” no regime geral da segurança social. Antes pelo contrário: cerca de 80% dos reformados do regime geral da segurança social recebem menos do que o salário mínimo nacional, e que (de acordo com dados da Segurança Social de 2007, apenas cerca de 8.500 pessoas recebiam pensões de valor superior a 3.000 €!!
Na realidade, o que o Governo pretende é ESTABELECER UM PLAFOND OU TECTO PARA AS CONTRIBUIÇÕES (do regime geral contributivo).
Será desta maneira que o Governo pretende instituir um sistema “misto” (públco e privado), esquecendo que tal representa desde logo uma diminuição ainda maior das receitas da segurança social (regime contributivo), que levará a uma mais acentuada diminuição das prestações atribuídas como “direitos”, e a uma transformação do sistema público num sistema de” prestações mínimas”, deixando o mercado aberto para as Seguradoras, banca e outras administradoras de fundos de pensões fazerem o seu negócio, transformando a protecção social numa mera “mercadoria” financeira.
No sistema de segurança social, sabe-se sempre quanto vai ser o valor reforma ao fim do período de vida activa, porque a mesma depende dos salários (e contribuições retidas na fonte) e de uma fórmula de cálculo estabelecida na Lei. Aqui o montante da prestação está previamente definida. Claro que a fórmula de cálculo pode ser alterada (e até foi recentemente, para reforçar a sustentabilidade das pensões a longo prazo, atendendo ao aumento da esperança de vida, à diminuição da taxa de natalidade, e outros factores estruturais, como o aumento do desemprego…
Mas nos fundos de pensões privados, a reforma vai depender dos > montantes das contribuições (que não são retidas na fonte, isto é, no salário auferido) e do rendimento que esse Fundo tiver. Aqui só se define a contribuição…e como esses Fundos investem nos mercados financeiros, e (ou) se a capacidade de poupança não for grande, pode não existir nada para receber no fim da vida activa (aconteceu em diversos países, incluindo a Argentina)… Sabe o que lhes valeu? As pensões mínimas do tal sistema de segurança pública que diziam não ser sustentável…A propósito: conhece a Conta da Segurança Social de 2010?
E já agora pergunte-se ao Governo, e em especial ao nosso “Ministro da Caridade” porque é que de um ano para o outro, e depois de tantos cortes nos direitos (subsído de desemprego, subsídio de doença) de repente descobrem um “buraco” na segurança social pública.
Eu talvez lhe possa adiantar duas boas razões: a 1ª é, digamos, de “ordem motivacional”. É preciso começar a convencer as pessoas de uma “necessidade” desta reforma estrutural que se prepara de mansinho: que é indispensável introduzir um sistema de pensões privado (individual, obrigatório e em regime de capitalização), ou seja os tais Fundos de Pensões, a serem investidos no mercado financeiro, com contribuições a cargo exclusivo de cada um, e fé nas aplicações que tais Fundos vão fazer…
Porque (dizem), a segurança social pública não vai ter sustentabilidade. Mas os estudos efectuados aquando da última reforma no sistema de pensões indicam que esta sustentabilidade estava assegurada até pelo menos, ao ano de 2030. A 2ª razão só pode ser esta: O Fundo de Pensões da Banca passou para o Estado, mas este utilizou-o, em grande parte, para pagar dívidas em atraso dos hospitais e empresas públicas, tendo a segurança social assumido a responsabilidade pelo pagamento dessas pensões aos bancários (Decreto-Lei nº 127/2011, de 31 Dezembro), com direito ao 13º e 14º mês… Mas o Estado não vai ser capaz de transferir para a segurança social a totalidade das responsabilidades assumidas e em curso, e menos ainda as responsabilidades futuras com as pensões dos trabalhadores da Banca…
Asssim, descapitaliza-se o sistema público de segurança social, de um dia para o outro, e sob o pretexto da sua “insustentabilidade”, transfere-se uma parte das receitas daquele sistema para a acumulação e investimento de longo prazo (por isso é que são as pensões as prestações em causa) por parte das seguradoras, banca e outras entidades administradoras de fundos de pensões. E nem o facto de existir já um regime de pensões individual, voluntário e em regime de capitalização, dentro do próprio sistema público de segurança social!
Com o agravamento do desemprego e o aumento das dívidas de contribuições, diremos que o problema da sustentabilidade da segurança social não é tanto de longo prazo, mas de curto prazo, e por exclusiva responsabilidade do Governo na afectação das receitas do financiamento do sistema, nomeadamente por não transferir para o sistema público a receita total dos fundos de pensões dos bancários. A solidariedade (inter-profissional, geracional e nacional) fica transformada numa actividade de tipo assistencial, numa”caridade” a ser praticada (com financiamento do Estado – veja-se a linha de crédito de 30 milhões e as alterações nas regras de atendimento dos cidadãos) por Instituições Particulares, Misericórdias, e outras.
Que o Sistema de Segurança Social, como sub-sistema da economia, tenha de sofrer reformas de tipo “adequação”, sim.
Mas reformas de tipo “refundação” como o Governo prepara, não! A bem dos cidadãos