O caso da Escola da Fontinha, no Porto, para muita gente, pode revelar várias coisas, se o observarem sem ideias pré-concebidas. A primeira é o estado de degradação a que chegaram muitos dos imóveis e dos bens em geral, pertencentes aos serviços públicos do nosso país. Em vez de os manterem a funcionar, e de os colocarem ao serviço da população, deixam-nos ao abandono. No futuro, não são se sabe daqui a quanto tempo, no terreno que ocupam actualmente poderão servir a outros fins, como construir mais prédios de luxo, ou centros comerciais. E a população da zona onde estão implantados, e para cujo serviço deviam estar reservados, será encorajada a procurar noutro local a resposta às suas necessidades.
A segunda coisa que este caso revela é que a iniciativa das pessoas, sobretudo a iniciativa destinada a procurar soluções para problemas básicos da população, não é desejada pelos poderes públicos e privados. E encontramo-nos assim perante uma das grandes contradições do sistema político-administrativo a que estamos sujeitos. É o problema da iniciativa privada. Os propagandistas oficiais enchem-nos os ouvidos com teorias sobre ser preciso libertar a sociedade do estado, favorecer a iniciativa privada, que esta cria riqueza, que o estado é mau administrador, etc. Contudo, quando um grupo de cidadãos toma uma iniciativa que vai ao encontro das carências básicas da população, com pessoas dispostas a trabalhar voluntariamente para a comunidade, encontra todo o tipo de obstáculos. É verdade que há muito que se constatou que a iniciativa privada só recebe apoios significativos quando cumpre determinados critérios de “fiabilidade”, que passam invariavelmente pelos relacionamentos do(s) autor(es) da iniciativa e pelo seu estatuto económico-social. Na realidade, o exemplo vem do alto: porque é que o Banco Central Europeu só empresta dinheiro à banca e não aos estados? Não será também pela prioridade à iniciativa privada? Mas a iniciativa que obedece aos tais critérios de fiabilidade, pelo que se constata. Os estados poderiam ir gastar o dinheiro em escolas, estradas, hospitais, etc.
O porquê das dificuldades encontradas pelos promotores do Es.Col.A – espaço colectivo autogestionado da Fontinha (é o nome que está no blogue que movimentam) reside essencialmente neste segundo ponto. A iniciativa em Portugal é reservada só a um certo número de pessoas. Os restantes (que são a grande maioria da população portuguesa) têm grandes dificuldades em promover qualquer iniciativa. Por vezes, conseguem-no, é verdade, mas à custa de tremendos esforços, e, não raro, por acaso.
Outra coisa que se revela quando se analisa este caso é que os autores deste tipo de iniciativa correm riscos sérios. A razão alegada para o despejo da semana passada é que terá ocorrido um ataque informático aos serviços da Câmara Municipal do Porto, acompanhado de ameaças a Rui Rio, por causa da acção na Fontinha. Será grave realmente se tal ataque e tais ameaças ocorreram. O que se pergunta é isso é justificação para a acção de entaipamento (acompanhada, ao que parece, de inutilização da canalização) da escola. Será que se provou os ataques, as ameaças, provinham do grupo da Fontinha? Saberiam sequer os membros do grupo que tinham ocorrido? Para muita gente menos atenta, ficam com a fama, pelo menos.
Este tipo de iniciativas tem obviamente de seguir regras. Mas a verdade é que o edifício da Escola se encontrava ao abandono, e que os ocupantes (o nome mais simpático que receberam, da parte dos representantes dos poderes instituídos foi o de okupas) o valorizaram. Assim como a todo o bairro. Os serviços da Câmara Municipal deveriam ter acompanhado de perto a acção, e os dirigentes da autarquia encorajado a iniciativa, depois de verificarem a sua validade. Inclusive, terá sido aprovada em reunião de Câmara uma decisão favorável a estabelecer um protocolo com os responsáveis da iniciativa. Não seria com certeza um protocolo como o que terá sido proposto pela Câmara, implicando o fim da iniciativa dentro de poucos meses.