É ainda no rescaldo das comemorações do XXXVIII Aniversário do 25 de Abril que alinhavo esta crónica que bem
gostaria fosse menos dorida. Não lhe posso fugir, apesar de outros temas continuarem a atrair a minha atenção, como o inquietante prolongamento da indefinida situação na Guiné-Bissau ou as eleições em França cuja importância ultrapassa as suas fronteiras nacionais.
Foi um aniversário que, como todos os anteriores, incluiu comemorações oficiais e comemorações populares. Em relação a estas a Associação 25 de Abril (A25A) esteve sempre presente, participou, confraternizou, festejou. Os seus dirigentes e associados fizeram-no deliberada e empenhadamente. Às comemorações oficiais a A25A fez luto, como chamei à opção de nelas não participar. Com toda a legitimidade porque, ao contrário do que muitas reacções críticas – algumas das quais, aliás, respeito – deixaram entender, a A25A não pôs em causa que as comemorações se celebrassem no local próprio como é a Assembleia da República. O que a Associação que foi fundada pela maior parte daqueles que se consideram “militares de Abril” reservou para si, foi o direito de, publicamente, anunciar que não participava nas comemorações oficiais e, com esse gesto, dar um murro na mesa. O que quis foi libertar um grito de revolta contra o facto de, num único dia, os detentores do poder exibirem hipocritamente na lapela o cravo vermelho que sobrou daqueles que andam a calcar quando traem as esperanças de Abril durante todos os restantes 364 dias do ano. O que fez foi antecipadamente dar razão ao que, numa linguagem ainda mais radical, muito bem diz o padre e argonauta Mário Oliveira, que não é celebrar Abril que lhe interessa, mas viver Abril intensamente no “cada hoje”. Eu sei que seria injusto se visássemos com esta denúncia, indiferentemente, todos os que estão no Parlamento. Não foi essa a intenção da A25A. Mas dirigiu-se à maioria que, no Parlamento, se deixou hipotecar, acriticamente, por um executivo que nesse dia até esteve ali presente e que, com essa hipoteca viola o princípio da separação de poderes que é um dos pilares do Estado de direito democrático. E que, não satisfeito com o condicionamento do legislativo, tudo faz para cativar também a mais alta instância fiscalizadora do poder judicial, para sem baias poder impunemente dispor de um poder absoluto. Foi com esses e com esse seu projecto em marcha que os militares de Abril recusaram comemorar oficialmente uma data que tem conteúdo, para além da liberdade formal de uns poderem continuar a ter cada vez mais benesses à custa de outros a quem se exigem cada vez mais sacrifícios. Exactamente na proporção inversa das responsabilidades que a uns e outros cabem na situação a que se chegou.
Para carregar mais ainda o luto desta comemoração, calou-se para sempre uma das vozes mais lúcidas, mais inteligentes, mais criativas, mais livres e mais combativas, que esteve sempre na primeira linha na denúncia das perversões dos valores de Abril. Calou-se a voz de Miguel Portas. Um dos intelectuais e políticos da nova geração, da geração dos meus filhos, em quem eu tantas esperanças depositava para a construção do Portugal e da Europa de amanhã, alicerçados nos valores que identificamos com a LIBERDADE com maiúscula. Espero que o exemplo que foi a sua vida seja suficientemente mobilizador para compensar a sua insubstituível ausência física.
São muitos já os que nos vão deixando. Mas com Miguel Portas há uma diferença. É que, como amargamente registou Daniel de Oliveira, a sua partida foi “indecentemente prematura”. Sem o Miguel vai ser muito mais difícil.
Para mim, o 25 de Abril de 2012 foi a (silenciosa) Revolução do Escudo. Foi o dia em que um humilde jovem emigrante Grandolense finalizou a construção de um escudo contra a crise, cujas peças acredita que cada português tem dentro de si e que pode também juntar, com os ensinamentos certos. Não, não é é o escudo-dinheiro. A minha aprendizagem envolveu Portugal, Polónia, Dinamarca e Brasil. A de quem quiser aprender comigo não precisa de tanto.Kwadrat (quadrado em polaco) > trójka (troika, trio em polaco). Tal como duas cabeças pensam melhor do que uma. Quantos mais, melhor.Por D. Nuno Álvares Pereira, que usou a técnica do quadrado; pelo Miguel Portas cuja voz quero que continue a ecoar na sua sentida ausência; por mim próprio, que quero querer voltar a viver em Portugal, e que quis ouvir Grândola Vila Morena na rádio na noite desse dia, em que aterrei vindo de Londres, e chorei por dentro por não ter conseguido; por Portugal.