Afonso Aguiar Doce e pura inocência
(Adão Cruz)
Doce e pura inocência refletia-se nos olhos jovens, durante aquele Verão.
Ah, saudades desses tempos misteriosos, em que um olhar significa tudo e um sorriso muda o mundo e se vislumbra um futuro, almejando-o, embora este pareça distante e utópico, como um sonho de criança grande, único e inatingível… Mas não é sonho, é real! De tal forma real que, quando damos conta, a luz já se apagou, o mistério já se perdeu e o futuro distante, desejável e ilusório transformou-se no presente e… Crescemos.
Quem conseguisse mergulhar naqueles olhares entenderia que os dois viviam cada momento como se fosse o último, como se aquele instante fosse a coisa mais importante do mundo e foi naquele acaso que lhes pareceu destinado que os seus olhares se atraíram e os sorrisos brotaram!
Enquanto a viveram, a noite soube a eternidade, porém quando acabou e as palavras não se soltaram, o eterno e extasiante momento tornou-se curto e frustrante. No dia seguinte reencontraram-se ao largo da piscina. Não demorou muito até que “acidentalmente” esbarrassem um no outro e, finalmente, falassem. Nunca lhes custara tanto proferir uma palavra. Seguiu-se uma inmesurável sensação de alívio pelo simples facto de a fala se soltar. E foi sem surpresa que o mais difícil, o muro da ingenuidade, fora transposto.
Nessa tarde, os sentimentos já mais do que definidos antes sequer de se falarem, tornaram-se demasiado percetíveis para os poderem negar.
“Então era aquilo o tal amor? Aquela sensação fresca e ao mesmo tempo quente que subia da barriga ao coração, reconfortante quando pensavam um no outro e inquietante quando estavam lado a lado… aquela força que os obrigava constantemente a olhar um para o outro, aquele êxtase que sentiam por um sorriso que não era o seu… Então era aquilo o tal amor!”
Os momentos de contentamento indizível foram enchendo de vida o dia a dia de cada um e, como tudo o que se vive intensamente passa a grande velocidade… o fim das férias estava à porta!
Ao reconhecer a iminência da separação, numa noite, antes dos pais a chamarem, ele puxou-a e sentaram-se ao fundo das escadas. O tempo abrandou, o silêncio fez-se ouvir e, por momentos, os corações adiaram-se até se fazer ouvir a palavra que lhes estava presa na garganta. Os seus lábios uniram-se uma e outra vez, as línguas tocaram-se e, de repente, o mundo deu uma volta completa – tudo fez sentido – as suas mãos moveram-se sem saberem muito bem o que fazer. Depois afastaram-se. Ele levantou-se e distanciou-se apressadamente, enquanto um sorriso lhe rasgava a boca ainda anestesiada pela outra. Ela encolheu-se sobre si própria, aprisionando aquele momento no aconchego do seu peito e reviveu-o repetidamente.
O último dia passou-se num ápice e a despedida impôs-se. Com as lágrimas marejando-lhes os olhos e os corações ameaçando sucumbir abraçaram-se e beijaram-se pela última vez. Embora ainda jovens e sonhadores, empenhados em manterem o contacto, lá no fundo sabiam que só passados muitos anos voltariam a encontrar-se e, por isso, tinham de aproveitar aquele momento e desfrutá-lo por inteiro.
As primeiras semanas foram cruéis. Viviam no limiar da tristeza, num vazio emocional, náufragos num meio de incompreensão. Tinham os amigos, mas não era o mesmo, pois estes viviam felizes e inocentes, sem compreenderem aquele sofrimento, sem perceberem o que era perder um amor daqueles.
Com o passar do tempo, a mágoa e a tristeza esbateram-se transformando aquelas férias em meras recordações.
Os anos voaram e o futuro distante, desejável e ilusório tornou-se o presente que eles ambicionavam. Haviam crescido!
Passados muitos anos, num daqueles domingos de passeio em família, os olhares reencontraram-se, os corações aceleraram, os rostos coraram, o mundo tornou-se excitante e deu a mesma volta de há anos. Sentiram algo fresco e ao mesmo tempo quente a subir da barriga para o coração e as gargantas secaram mal lhes permitindo falar. Com um enorme esforço sorriram um ao outro e retiveram o olhar. Depois, tudo voltou ao normal e seguiram em frente.
Os caminhos haviam-se separado e os sentimentos haviam mudado, mas para sempre veriam um no outro,
A sua doce e pura INOCÊNCIA!
Bela escolha da música^e do quadro, Augusta Clara.Parabéns aos três pois há momentos na vida que não morrem, nem são censurados, nem amordaçados…
Lindo texto, Afonso, um primor!