A crise na Europa, a crise em Madrid, a crise de um sistema: olhares sobre Espanha

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

 

9. A Espanha é a agora a nova Grécia

 

Marshall Auerback 


Há quase  um espanhol em cada quatro que está desempregado, segundo dados divulgados nesta sexta-feira, em que a  situação económica e financeira do país levou um ministro do governo para falar de uma “crise de proporções enormes”. Os dados do Instituto Nacional de Estatística mostram que 367.000 pessoas perderam os seus empregos nos primeiros três meses do ano. A esse ritmo, as perdas de emprego espanhóis são equivalentes a 1 milhão por mês nos Estados Unidos. Isso significa que mais de 5,6 milhões os espanhóis ou seja 24,4 por cento da força de trabalho está  hoje  desempregada, já bem perto do valor recorde de  1994.


A Espanha tornou-se a nova Grécia. Na verdade, em muitos aspectos, a Espanha está agora pior do que a Grécia. A taxa de desemprego espanhola é já tão grande e ao contrário de Atenas, Madrid não fez nenhum progresso significativo na redução dos seus níveis de dívida pública (ao passo que os Gregos estão perto de ter um excedente orçamental primário, a ponto de poderem sair e devolver o problema a Bruxelas)… Além disso, a Espanha tem um peso enorme de dívida privada e tal modo elevada  que esta representa o dobro da dívida da Grécia.

 

 

Estudantes concentrados em protesto. REUTERS

 

Apesar de eu bem ter avisado nestas páginas de que o programa de austeridade de Espanha estava a levar o país ao desastre, a minha primeira reacção a essa catástrofe económica tem sido de um verdadeiro espanto. Basta dar uma olhadela para os dados abaixo sobre o emprego:

 

O desemprego no primeiro trimestre  em Espanha: Sumário  (Quadro)

 

 

 

 

Blindagem policial em Barcelona face aos protestos dos estudantes

 

 

No entanto, até agora a Administração Rajoy tem vindo a afirmar que a descida relativamente marginal do PIB estimada pelo Banco de Espanha para o primeiro trimestre estava a exagerar a situação de debilidade da economia espanhola. Agora temos o espectáculo do governo espanhol, a sugerir que a estimativa do Banco de Espanha quanto a uma descida  de  0,4% no PIB espanhol  durante  o 1 º trimestre é demasiado pessimista. Mas, à luz destes números, que tipo de queda do PIB se poderá esperar realisticamente quando o emprego cai dois por cento à  taxa não anualizada no quarto  trimestre? Isto representa pelo menos uma descida de quatro por cento à taxa anualizada. Mas é mesmo provável que venha ser bem mais alta. No entanto, quem é que está a falar e a discutir isto como um real problema  em Bruxelas? Ninguém. Toda a gente responsável, todos os dirigentes políticos, parecem querer ignorar esta realidade.

 

Durante anos, os números do PIB espanhol terão  sido difíceis de conciliar com o colapso subjacente na produção industrial e com o aumento do desemprego, sendo que ambos terão estado e de forma bem mais realista a reflectir a dimensão do colapso do país em  depressão.

 

Quando eu disse há alguns meses que o governo espanhol estava a mentir  sobre os  seus números, fui atacado por alguns leitores espanhóis deste mesmo blog, que alegaram  eu era um gerente de um Hedge fundo provavelmente cheio de sacos carregados de  CDS sobre a dívida espanhola em a tentar meter  pânico. Para que fique bem claro, eu nunca comprei um CDS (credit default swap) na minha vida. Se por qualquer razão se estava a fomentar pânico era porque eu estava horrorizado com a nova postura de ultra-austeridade aprovada pela recém-eleita Administração Rajoy.

 

Agora, considere-se a realidade actual: a economia está em queda e assim a taxa de desemprego está a subir. No entanto, a chanceler alemã Angela Merkel e o Presidente do BCE, Mario Draghi, continuam a insistir que se pode ter restrição orçamental e um menor nível de preços no mercado interno, apesar do facto de que a Espanha tem uma dívida não financeira privada, em relação ao PIB,  na ordem dos  230%.

 

Curiosamente, os níveis de dívida privada em relação ao PIB dos  holandeses são ainda maiores, pois estão em 249%, o maior da Europa. Por outro lado, os italianos ainda têm poupança líquida das famílias. Então, quem são os verdadeiros “devassos” na Europa?

 

Aqueles que adoptam estas ruinosas políticas de austeridade poderão em breve estar a assistir a muitos dos mesmos tipos de condições como as que caracterizam agora a situação espanhola  (embora a partir de níveis de menor depressão), incluindo os holandeses  moralistas, cujo ministro das finanças tem feito uma verdadeira cruzada a  favor de medidas de austeridade ainda  mais duras do que as regras  incorporadas  no Pacto de Estabilidade e Crescimento .Nós recentemente também testemunhámos para grande surpresa nossa uma descida no índice alemão de confiança do consumidor da semana passada, bem como um colapso no  índice de sentimento de confiança do consumidor  italiano. A doença de austeridade está a intensificar a crise, mesmo no núcleo central da Europa.

 

É para mim inconcebível que Super Mario Draghi não vá mudar brevemente o seu discurso, apesar do que ele e o governo de Merkel estejam a dizer agora a propósito do consumo público. A continuarem por este actual caminho não só irão precipitar um colapso do euro, mas um colapso político de toda a Europa.

 

 

 Polícias da Catalunha à paisana controlaram a manifestação  de ontem em Barcelona, face à presença da cimeira do BCE. 

 

Não há dúvida de que maiores défices são necessários para apoiar a procura agregada e até aos níveis que se considerem desejáveis; Contudo como sabem todos aqueles que têm participado neste blog, o problema é que os governos nacionais estão actualmente como os estados federados dos EUA e, como tal, são constrangidos pelo lado das receitas porque eles são consumidores em vez de emitentes de moeda (em oposição ao, digamos, Canadá ou ao governo central dos EUA, sendo que estes dois são ambos emitentes de dívida  pública  emitida na sua própria moeda).

 

Então, relaxando-se os limites do défice sem nenhum outro tipo de garantias de financiamento do BCE este facto  pode levar os mercados a absterem-se no financiamento dos governos nacionais, o que cria uma nova crise de solvabilidade  do mesmo tipo da que estamos a viver hoje. Dito de outro modo, sem o financiamento do BCE os membros do euro estão actualmente num profundo sistema de “Ponzi”, como o meu amigo, Warren Mosler já o descreveu. Na realidade, todos eles têm estado num sistema de ‘Ponzi “desde o primeiro dia. Mas foi preciso uma crise da magnitude de 2008 para que isto se tenha tornado evidente para os mercados.

 

 

A dado nível, o BCE entende que, como sempre, “assina o cheque”, quando uma crise sistémica empurra o sistema até ao limite. Isto não poderia ser de outra maneira uma vez que é o único emissor de euro. Mas na sua maior parte, as elites que fazem a política europeia permanecem em oposição da mesma forma que estas continuam a afastar-se da única entidade que poderia resolver o problema da insolvência na União Europeia.

 

E sejamos então bem claros, uma vez por todas. O governo federal dos EUA não enfrenta o mesmo tipo de crise que os espanhóis, os gregos, os holandeses ou mesmo os alemães. O governo dos EUA aumentou mesmo consideravelmente o seu ratio da dívida pública nos últimos anos, mas os rendimentos destes títulos de dívida americana permanecem baixos e quando as agências de classificação baixaram a notação da dívida pública dos Estados Unidos a procura por estes títulos cresceu. Onde estão então os chamados “vigilantes do mercado de títulos “?

 

 

Os governos da zona euro estão todos eles  juntos num campo completamente diferente. Todos aqueles que actualmente compreendem que tudo se passa como se os governos dos países membros estejam a utilizar uma moeda estrangeira e, portanto, que estes não são de modo nenhum  como o Japão, os EUA ou o governo do Reino Unido, percebem bem que há um risco de incumprimento ligado ao papel moeda emitido pelos governos da UEM.

 

Estes também compreendem que os eurocratas não eleitos de Bruxelas insistem numa década ou mais de políticas de austeridade e de aplicação das regras orçamentais em  que estas  poderiam sempre garantir uma crise cada vez que haja  uma séria contracção da procura  agregada. E com isso, o risco de incumprimento com a dívida pública aumenta necessariamente. Isso é o que estamos a ver hoje em toda a zona euro. E na Espanha esta realidade é vista em larga escala.

 

 

A linha de pensamento dominante quanto à austeridade é uma armadilha em que está a cair a  Espanha (bem, como a Grécia, Portugal, a Itália, a Irlanda e em breve o centro da zona euro) colocando todos estes países numa perigosa espiral descendente de perda de rendimento  e de aumento do desemprego. Eu ainda acho que a provável eleição de François Hollande, poderia muito bem mudar a dinâmica política na zona euro, apesar de ele geralmente ir beber muitas vezes na linha de pensamento neoliberal dominante quanto ao euro. Hollande é um defensor “da austeridade light” em vez de ser um expansionista genuíno, Mas mesmo ele não pode estar alheio aos perigos políticos e sociais iminentes que esperam a França, se politicamente se continua a querer continuar a aplicar as  políticas adoptadas pela actual presidente, Nicolas Sarkozy.

 

 

Até agora, Bruxelas não mostrou por aquilo que tem feito nenhum facto ou nenhuma política que nos aponte para uma boa teoria neo-liberal, tornando-se cada vez mais difícil ignorar o espectáculo de horror que emerge à nossa frente.

 

 

Marshall Auerback, Spain Is the New Greece, 30 de Abril de 2012.

This post originally appeared at New Economic Perspectives.  

 

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