A ‘farsa democrática’ e o desafio de inventar a democracia futura -5 – por Samir Amin

Três conclusões 1.

 

O vírus liberal tem efeitos devastadores. Produziu um “ajustamento ideológico” que serve muito bem à expansão capitalista a qual sempre gera mais barbárie. Mas convenceu grandes maiorias – inclusive nas gerações mais novas – de que é a altura de “viver no presente”, colher o que o imediato oferece, esquecer o passado, não pensar no futuro, sob o pretexto de que a imaginação utópica engendraria monstros. Convenceu vastas maiorias de que o sistema que há seria compatível com “o desenvolvimento do indivíduo” (o que absolutamente ele não é). Formulações académicas pretensamente “novas” – os “pós”, pós-modernismo, pós-colonialismo, estudos culturais, elucubrações à Negri – garantem alvarás de legitimidade à capitulação do espírito crítico e da imaginação inventiva.

 

O desarranjo que essa prática de submissão interiorizada implica está, sem dúvida, na origem, dentre outros, da “renovação religiosa” (ressurgimento de interpretações religiosas e pararreligiosas conservadoras e reacionárias, “comunitaristas”, ritualistas. O “monoteísmo” dá o braço, sem problema algum, ao “moneyteísmo” – assunto sobre o qual já escrevi. Excluo evidentemente as interpretações religiosas que mobilizam o sentido que dão à espiritualidade, para legitimar a tomada de posição ao lado das forças sociais que lutam por emancipação. Mas as forças religiosas reacionárias são maioritárias, as forças religiosas progressistas são minoritárias, quando não mesmo marginalizadas. Outras formulações ideológicas não menos reaccionárias também preenchem o vazio criado pelo vírus liberal: por exemplo, dentre outros, todos os “nacionalismos” e os comunitarismos étnicos e paraétnicos.

 

2. A diversidade é, muito felizmente, bela realidade do mundo. Mas elogiar a diversidade ‘em si’ leva a confusões perigosas. De minha parte, proponho que se considerem à parte as “diversidades herdadas” (do passado), que, afinal, é o que são, e que só depois de demorado exame crítico poderão ser (ou não) reconhecidas eficazes para o projecto de emancipação. Proponho que não se misturem essas diversidades e outras – que visam a inventar o futuro e lutar pela emancipação. Porque também há diversidades cá do nosso lado, de análises e substratos culturais e ideológicos e propostas de estratégias de luta. Na 1ª Internacional, lá estavam Marx, Proudhon, Bakunin.

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