Globalização e Desindustrialização – 4ª Série

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

 

Capitulo III.  Alguns retratos mais sobre a globalização, sobre a desindustrialização

 

12. E por aqui também passa a globalização, a desindustrialização

 

Não é de modo nenhum necessário ser professor de economia para compreender que uma moeda comum só tem verdadeiramente significado se esta está apoiada em políticas fiscais e orçamentais nacionais que sejam pelo menos convergentes.

 

A um nível ainda mais elevado, devemos criar uma nova política global que combine a elevação do nível de vida dos países emergentes e dos países pobres com uma política de re-industrialização da França que deve, como a Alemanha, exportar mais produtos industriais para os países em crescimento

 

François Hollande  é um novos valores  da  esquerda reformista

 

Alain Touraine, sociólogo


A campanha presidencial, cujo resultado era previsível desde o discurso de  François Hollande pronunciado a 22 de Janeiro em Le Bourget, demonstrou que o seu sentido  não  se baseava na opinião publica. Desta vez, porém, foi mais complexo  do que na maior parte  dos casos anteriores, porque não se trata de escolher uma posição numa linha do tipo direita-esquerda, rico-pobres, etc. Porque o sentido da campanha actual combina dois eixos.


O  primeiro  é a construção e depois o resgate da Europa ou mais precisamente da zona  euro. O segundo é mais classicamente social:  devemos nós  continuar a deixar-nos ser comandados por  um capitalismo especulador ou devemos nós inverter  a repartição  do rendimento  nacional  a favor dos trabalhadores que têm estado a perder muito terreno desde o triunfo do neoliberalismo na década dos anos de 1970 e especialmente desde as crises financeira, económica e monetária que de forma  encadeada se têm estado a verificar   desde 2007.


A observação da Grécia, de Portugal, da  Itália, da Espanha e da própria França mostra claramente que a dimensão europeia, porque ela comanda  a economia, determina o nosso futuro de uma forma mais imediata do que a dimensão social nacional. No entanto, subjectivamente, é a dimensão social e económica  que prevalece, que controla mais directamente a opinião pública.


As duas dimensões são também igualmente necessárias, mas não são da mesma natureza. A dimensão social está  mais presente na cabeça das pessoas  o que é um progresso depois de 10 anos de governo de direita, mas a dimensão europeia é pelo menos tão decisiva como a dimensão social.


François Hollande é o único candidato elegível que defende simultaneamente a construção europeia e a política social de esquerda, a favor sobretudo dos mais ameaçados. É esta dupla resposta positiva para as duas questões mais importantes para a França e para os franceses que torna a sua eleição lógica e desejável. A sua posição era difícil, porque há ainda importantes sectores do eleitorado de esquerda que consideram que o projecto europeu é antagónico com uma política social de esquerda.

 

Esta última posição, que é a de Nicolas Sarkozy como é também a de  Marine Le Pen e de Jean-Luc Mélenchon, não compreende  a existência dos  dois eixos da decisão. A grande novidade da posição de François Hollande é a de ter  na verdade  compreendido que a dimensão nacional e a dimensão internacional das nossas escolhas são separadas uma da outra [mas ligadas]. Uma política capaz de restabelecer  o nosso crescimento e de reduzir as desigualdades deve combinar dois e não só um único eixo de decisão.


 

François Hollande também sabe que todos os franceses ainda não compreenderam a necessidade de combinar a construção da Europa,  única defesa contra o capitalismo financeiro,  com  uma política de esquerda e que, portanto, ele deve defender uma posição “soft”, não chocando contra nenhuma convicção.


Ao  contrário, Jean-Luc Mélenchon, totalmente concentrado sobre um programa social de extrema esquerda e muito antieuropeu obtém ao mesmo tempo e   logicamente um sucesso e um  insucesso: sucesso de opinião e insucesso político porque os franceses, como os outros europeus e até mesmo como  os gregos, berram  contra a política europeia, mas votaram por ela, porque eles sentem bem como é que a sua situação seria desastrosa se a zona euro entrasse  em colapso.


Pode-se compreender essa lentidão da conversão à ideia da Europa e especialmente à do euro. Desde a saída de Jacques Delors, Bruxelas demonstrou na maioria das vezes uma incrível cegueira. Não é de modo nenhum necessário ser professor de economia para compreender que uma moeda comum só tem verdadeiramente significado se esta está apoiada em políticas fiscais e orçamentais nacionais que sejam pelo menos convergentes. O resultado deste vazio absoluto no projecto europeu é que muitos eleitores vêem ainda a construção europeia como um instrumento ao serviço de um capitalismo puramente especulador.


Mas a gravidade dos perigos em que se incorreu também explica a de sobrevivência dos europeus, das Nações e dos governos europeus. Êxitos importantes, mas ainda insuficientes, foram obtidos em 2011. O mais decisivo foi o que levou os  alemães, apesar da resistência do Bundesbank, a aceitarem, não só o resgate da Grécia, mas também a política  posta em prática pelo BCE por Jean-Claude Trichet e ampliada  pelo seu sucessor Mario Draghi de conceder empréstimos aos bancos – especialmente alemães – para evitar novas  falências. A acção levada a cabo nestes dois anos deverá ser prologada e de modo bem firme para que se afastem os riscos ainda bem actuais de novas catástrofes.


Os franceses compreendem que eles também estão ameaçados. Na verdade, eles não se deixam enganar sobre o remédio a aplicar. Não é de austeridade que a França precisa mas sim de um relançamento do crescimento económico. Será ainda necessário algum tempo para que os franceses compreendam a absoluta necessidade de reduzir o peso da sua dívida pública e do défice orçamental do  seu  Estado. A presidência de François Hollande será dominada por estes problemas e especialmente sobre o indispensável despertar dos franceses para a consciência das reformas a aplicar ao seu Estado e à sua sociedade.


Mas esta formulação é ainda insuficiente. Tanto quanto a França tem uma necessidade vital de uma Europa activa e responsável, tanto quanto os franceses terão também necessidade de uma política social claramente de esquerda. A vitória presidencial de François Hollande deverá em primeiro lugar ser completada com a eleição de uma Assembleia Nacional onde uma nova maioria será tão decidida quanto o Presidente em combinar a construção europeia com uma política de defesa dos trabalhadores e do crescimento.


O sucesso de François Hollande seria ainda maior se esta nova esquerda reformista e pró-europeia de esquerda chegasse ao poder não só em França mas também, o mais depressa possível, na Alemanha e na Itália. A aliança destes três países e daqueles que quiserem seguir o caminho que neste sentido estes três abrirem permitiria então à zona euro resistir à hostilidade britânica, que coloca a  finança mundial  contra a economia europeia.


A um nível ainda mais elevado, devemos criar uma nova política global que combine a elevação do nível de vida dos países emergentes e dos países pobres com uma política de re-industrialização da França que deve, como a Alemanha, exportar mais produtos industriais para os países em crescimento. Será suficiente, para se ficar convencido da importância deste objectivo, lembrar que 80% do comércio mundial é composto de produtos industriais.


A vitória de François Hollande, que deve ser muito claramente adquirida na segunda volta, foi tornada possível por um projecto político aparentemente fraco, mas na realidade o único capaz de fazer triunfar a aliança da construção europeia e de uma política social de esquerda, fazendo renascer assim a grande época de Michel Rocard.


Podemos ultrapassar esta bem difícil situação de crise, sem nos deixar levar  pelas correntes de opinião ou pelo poder dos especuladores. Este sucesso, simultaneamente discreto e decisivo, não resolve tudo, mas torna possível uma política ao mesmo tempo de crescimento e de justiça. Nós podemos finalmente desembaraçarmo-nos da ideia de que estamos condenados ao declínio e à perda de confiança em nós mesmos. Nada está  resolvido, mas a resolução tona-se possível.


Alain Touraine,  M. Hollande porte les valeurs d’une nouvelle gauche réformatrice,

Le Monde, 25.04.2012 . 

 

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