Gomes Leal (1848-1921)
OH MINEIRO!
Oh mineiro! Oh mineiro!…ai, quando, sob a terra,
desces, longe da luz, as espirais da dor,
e esquecendo as canções natais da tua serra,
espancastes de ti as ilusões do amor!…
quando, tornado o peito um túmulo vasio,
descestes para sempre à tenebrosa mina,
onde não vem gemer a fresca voz do rio,
nem vulto de mulher branqueia na neblina!…
quando fechastes a alma à ansia dos desejos,
como um faminto lobo uivando n’um pinhal,
ou como um cenobita esconde o rosto aos beijos
das líricas visões, pelo sabbat do Mal!…
quando, nas solidões dos trópicos ardentes,
rojaste ao árido chão a fronte e os membros nus,
e lembrou-te a palmeira e o estrondo das torrentes,
e, ao fundo, o Azul calado, a erva, o mar, a luz!…
quando no gelo enfim das solidões estranhas,
no deserto polar da escuridão do inferno,
para sempre fugiste aos lírios das montanhas,
à grande Natureza e ao grande Amor eterno!…
dize, sabias já, – ó lúgubre mineiro!…
que o pálido metal que ias desenterrar,
vergado, semi-nú, talvez um ano inteiro,
gastam os reis sómente, um dia, n’um jantar?…
Dize, sabias já que a Providência avára
Concede a um a luz, a outro a treva exangue,
a um a taça d’ouro, a outro a esponja amára,
e a noite árida e má em que se sua sangue?…
Dize, sabias já que existem sobre o sólo
infames cortesãos, lacaios resplendentes,
meretrizes ducais a quem se inunda o colo
com Champagne, com Rum, e vinhos eloquentes?…
Dize, sabias já, na escuridão das minas,
agachado, aos clarões das lívidas lanternas,
que existem cortesãs, duquezas libertinas,
excedendo os ladrões e as fêmeas das tabernas?…
Dize se, como o Fausto, em sua escura cela,
tu viste o pranto, o escárneo, e a loura meretriz,
sabias que se atira ouro pela janela,
e que, ó infámia! há reis que vendem seu país?…
Ó infámia! ó infámia! – ó século maldito, –
em que se vende tudo, a Mãe, a Pátria, o Amor…
ó veneno sutil, sórdido, e corruptor,
que Satanás cuspiu no poço do infinito!…
Ó encanto infernal das vastas Capitais,
delícia dos ladrões, dos vícios, da ralé,
em que se afunda a alma, enxerga-se a galé,
e afia-se o sorriso, e afiam-se os punhais…
Levantai para o céu as vossas mãos honestas,
como um protesto heróico, enérgico, sublime,
Cavaleiros do Bem, que vindes das florestas
da Ideia… e jurais guerra à Podridão e ao Crime.
Correi sobre este charco a toda a rédea solta,
vós, justos campeões, puros como os arminhos…
– e agitai pelo ar a espada da Revolta!
– e afiai os punhais nas pedras dos caminhos!
(Autópsia de Um Rei – A Traição, parte II)