“ Exposições de Afro e Gina Pane no MART, de Rovereto“
Rovereto encontra-se próxima das cidades maiores Trento e Bolzano, na zona italiana que limita com a Áustria. Estrutura urbana com uma bela arquitetura, no estilo típico dos palácios e prédios austro-húngaros, em sua predominâcia ligados ao estilo neo-clássico. Auto-definida “Cidade dos Museus”, com várias sedes museais nos campos da arte (de particular realce a “Casa Futurista de Depero”), da história e da ciência, Rovereto encanta o visitante pela harmonia das linhas de sua estrutura geral.
Até dez anos atrás, para quem parte de Veneza e deseja chegar a Rovereto, a viagem podia ser feita em velozes e cômodos trens diretos que, passando pelo eixo ferroviário central de Verona, tomavam a direção de Bolzano para chegar até a austríaca Insbruck. Assim eu fazia sempre que deixava os ares venezianos excessivamente quentes em julho e agosto, para o refrigério das férias na Val Pusteria. Hoje, porém, já não se tem a mesma escolha, isto depois da privatização da Ferrovia italiana. Hoje o viajante que parte na direção da linha do Brenero, como fiz eu na manhã do dia 16 de março passado, indo a convite do MART-Rovereto, museu de arte moderna e contemporânea do grupo de dois espaços expositivos, um a Trento, o outro a Rovereto, para participar no encontro entre jornalistas e críticos de arte com a direção do Museu na ocasião da apresentação e abertura das Exposições: “Afro – O período americano“ e “Gina Pane – ‘É por vosso amor: o outro’ “, manifestações abertas ao público no período 17.03 – 08.07/2012, hoje o dito viajante deve passar por várias horas vazias em subir e descer dos comboios que o levam de Veneza, passando por Verona, até Rovereto.
Chegado à cidade sede das Exposições, o viajante algo tomado de desconforto, sai da estação e logo se defronta com uma atmosfera que lhe faz mudar de humor: belos jardins, amplas avenidas, trânsito tranquilo e muito em ordem. Imediatamente à sua frente está a Avenida Rosmini (de Antonio Rosmini, 1797/1855, sacerdote católico, filósofo teórico da linha liberal na ação da Igreja, o mais ilustre filho de Rovereto) que o levará, quando chegar ao seu fim, ao início da Avenida Bettini, no número 43, no qual encontrará a bela estrutura do MART-Rovereto. Esta estrutura de um dos mais modernos museus italianos ocupa uma vasta área, tendo como referência marcada o prédio de 4 andares que aloja o espaço expositivo, o arquivo e a biblioteca. Tratam-se de espaços de grande dimensão, capazes de hospedar exposições as mais amplas. Desta parte principal deriva duas alas com edifícios que hospedam o arquivo, a biblioteca, a administração do Museu, restaurante, além de mais uma importante Biblioteca Civica, ponto de encontro da juventude da cidade de Rosmini. Todas essas construções se compõem com uma grande cúpula convexa que cobre o imenso pátio-praça, com a sua fonte ao centro. Por essa praça circulam os visitantes do museu, os jovens que frequentam a Biblioteca Cívica ou simplesmente fazem da mesma o ponto fulcral de seus encontros.
Depois da conferência da imprensa com a direção do Museu e com os organizadores das exposições de Afro e de Gina Pane, os convidados se encaminham livremente para os espaços expositivos.
Entro nas salas que hospedam Afro pronto a confrontar-me com obras por mim jamais vista de um artista de meu interesse. A exposição da maior importância, pelo centenário de nascimento de Afro Basaldella (1912-1976), prêmio da Bienal de Veneza de 1956, organizada e coordenada por Gabriella Belli, se concentra sobre o período americano de sua obra, fase de grande importância tanto para a obra do artista friulano, quanto para a história das relações artísticas e de mercado entre Itália e USA. Esta fase cobre mais de dez anos da vida do pintor, mas se projeta por toda a vida do artista.
A mesma organizadora da exposição de Afro abre o magnífico catálogo da exposição que se completa com textos dos críticos Rosemary Ramsey Stewart, que estuda as relações existentes entre Afro e sua galerista principal em terras estadunidenses, Catherine Viviano, bem como a grande penetração do artista no mercado do país que então guiava o comércio artístico internacional; tal fenômeno de venda e de presença de Afro não somente no grande mercado, mas igualmente em vários grandes museus americanos, permite ao crítico Raffaele Bedarida de estudar a possível imagem da Itália nos Usa, justamente naqueles anos do boom econômico italiano dos anos 50 e 60; tudo quanto concluído com a pesquisa de Adrian R. Durant quanto às relações existentes entre “Afro, a América do Norte e a recíproca influência na pintura do post-guerra”.
A exposição comemorativa do centenário de nascimento de Afro mostra um material praticamente inédito ao público europeu, com quadros de grandes museus estadunindenses e de dois de propriedade do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP), assim como os Estudos para o mural, “Il Giardino della Speranza” (O Jardim da Esperança), da sede da UNESCO, em Paris. A partir deste rico material se pode percorrer e compreender ainda mais a obra de um artista que, partindo das mais jovens experiências cubistas, oscila entre um figurativo apenas esboçado e uma abstração sempre mais presente, para finalmente dedicar toda a sua criatividade a um expressionismo abstrato de grande intensidade cromática e sempre beneficiada de um domínio excepcional da luz.
Gina Pane (1939-1990), artista francesa de origem italiana, é muito conhecida principalmente pelas suas perfomances marcadas sempre de inusitada intensidade. A sua presente retrospectiva, nascida de uma idéia de Gabriella Belli e organizada por Sophie Duplaix, com a colaboração de Anne Marchand, companheira de vida da artista, além da documentação fotográfica e material de suas principais perfomances, mostra igualmente e com grande riqueza uma produção que se coloca entre os maiores exemplos da Body Art. Nas obras da artista francesa convivem os mais opostos elementos expressivos, desde o lúdico até o dramático. Marcante é igualmente a versatilidade da artista no uso de diversos materiais, em especial o vidro e os metais. Tudo numa insólita síntese entre pintura e semiologia.