Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
13. Em Espanha, a “Primavera de Valência” anuncia-se quente. Por Sandrine Morel
As mobilizações contra os cortes orçamentais multiplicam-se na região de Valência, em Espanha. Num mês, os sindicatos convocaram quatro grandes manifestações. O último, no domingo, dia 26 de Fevereiro, reuniu segundo as suas estimativas, mais de 350 000 participantes.
Estas mobilizações ultrapassam largamente o espectro sindical. Estas são diárias, espontâneas, desencadeiam-se nas escolas, nas reitorias, nos hospitais. Na quarta-feira, 29 de Fevereiro, estão previstas uma greve de estudantes e uma grande manifestação geral.
Valência, não é, contudo, conhecida pelo seu activismo. É uma cidade calma. Mas desde o dia 20 de Fevereiro, está a ferver. A repressão brutal de uma manifestação de algumas centenas de estudantes do liceu acendeu o rastilho. Os cortes orçamentais, a taxa de 25,4% de desemprego, a corrupção nos negócios, os gastos extravagantes da região em grandiosos edifícios ou eventos desportivos têm feito o resto.
Desde há várias semanas que a imprensa se fez eco da situação de algumas escolas, a falta de aquecimento nas salas de aulas, os pais obrigados a limparem uma escola secundária, a falta de dinheiro para fotocópias…
Para pagar os encargos de funcionamento, as escolas no secundário recebem normalmente todos os quatro meses os fundos do governo regional. Mas estes fundos foram suprimidos dado haver uma dívida que representa 20% do PIB regional, a mais alta da Espanha e cerca de 3 mil milhões de euros de pagamentos em atraso aos seus fornecedores. “Nunca tínhamos conhecido uma situação de atrasos de pagamento tão importantes e tão sistemáticos, explica o Presidente da associação dos directores das escolas, Vicent Baggetto i Torres. Algumas escolas receberam mesmo aviso de cortes de energia.»
Neste contexto, uma foto de alunos de liceu enrolados em cobertores durante as aulas foi o detonador. Em sinal de protesto, os estudantes do liceu Luis Vives, no centro de Valência, decidiram bloquear todos os dias durante dez minutos uma das principais artérias da cidade. “Nós queremos apenas protestar contra os cortes,” diz Nerea Lopez, de 17 anos de idade. Somos perto de 40 alunos por turma, muitos professores estão ausentes. Mas, mais do que garantir um serviço mínimo na educação e na saúde, a região preferiu investir num circuito de Fórmula 1.
“No quinto dia, na segunda-feira, 20 de Fevereiro, a polícia carregou, batendo a esmo com os cassetetes sobre os alunos do ensino liceal, desfeitos em lágrimas. Balanço da carga policial: 25 prisões e 13 feridos. Os jornalistas testemunham a violência da polícia e da repressão. As imagens estão disponíveis na Internet onde o acontecimento é rapidamente baptizado de “A Primavera de Valência.” No dia seguinte, milhares de pais dos alunos manifestam o seu desagrado nas ruas. E nos dias seguintes, as mobilizações continuaram.
Uma semana mais tarde, o episódio continua a agitar a cidade de Valência. “A tensão social é muito alta “disse o secretário-geral da União Geral dos trabalhadores (UGT), Conrado Hernandez.. “ A violência sobre os estudantes é vista como uma agressão contra o modelo de Estado-Providência e os nossos filhos foram as suas primeiras vítimas. »
Em Janeiro, o governo regional anunciou um novo plano de austeridade para poupar mil milhões de euros. Os funcionários perderam metade dos seus suplementos salariais normalmente pagos pela região. “Os salários dos médicos diminuíram cerca de 600 euros, os dos enfermeiros e professores desceram até 300 euros”, resume o sindicalista.
A isto acresce-se o aumento dos impostos sobre o rendimento anunciado por Madrid. Para já não mencionar as reduções de salário que tinham sido impostas pelo anterior governo socialista. “Nós tínhamos já perdido 8% do salário em média em 2010, lembra‑nos o senhor Baggetto.” Todo o peso da crise assenta nos funcionários.»
Nos liceus, a atmosfera é ainda tensa: para a entrada do próximo ano escolar, os professores esperam um aumento do número de horas o que irá conduzir a uma redução do número de postos de trabalho temporários, já reduzido de 3.000 pessoas em 2010.
“Pedimos um sacrifício aos funcionários,” reconhece o Vice-Presidente da região, José Ciscar, em que sugere que a maior parte das medidas de austeridade ainda está para chegar. O governo regional pretende economizar cerca de 430 milhões pela “racionalização do sector da saúde” e deverá apresentar um novo plano “até ao valor de mil milhões de euros” para cumprir a meta de défice de 1,3% do PIB que as regiões tinham largamente ultrapassado em 2011. A nível nacional, o défice derrapou em 2011 para atingir os 8,5% do PIB em vez do valor esperado de 6%, suscitando novas chamadas de atenção de Bruxelas, terça-feira.
Às medidas regionais acrescentam-se também as medidas do governo central. A reforma do mercado de trabalho, anunciada no final de Janeiro, inquieta particularmente os sindicatos porque abre a via aos despedimentos de maneira mais fácil e mais barata e à generalizada descida dos salários. “A sociedade de Valência não está disposta a negociar o Estado-Providência “, sublinha o secretário-geral da UGT, que não exclui o recurso muito próximo a uma greve geral em Valência e em toda a Espanha.
Os jovens, continuam as suas mobilizações, tendo como de fundo, um profundo mal‑estar.” Nós simplesmente queremos boas condições de aprendizagem”. Mesmo se não se sabe o que estudar porque aqui não há trabalho, explica Nerea, antes de concluir, desencantada: nós não temos futuro aqui.»