por Rui Oliveira
Caro leitor: A cadência (e também a excelência) dos eventos culturais vai progressivamente rareando com a proximidade da pausa estival, donde os destaques serem menos evidentes, como veremos (e é habitual).
Na Segunda-feira 14 de Maio, o destaque mais interessante irá porventura para Eleanor Friedberber na ZBD (ver adiante) mas como escolha mais “segura” advogaríamos filmes já consagrados, em exibição recente entre nós.
Um, que obteve o “Prémio do Público” na recente Festa do Cinema Francês 2011, é A Fonte das Mulheres (“La source des femmes”), 2011 de Radu Mihaileanu, o realizador de O Concerto e interpretado por Hafsia Herzi, Hiam Abbass, Leïla Bekhti, Saleh Bakri, entre outros.
Centrada numa guerra dos sexos, esta comédia dramática é uma fábula moderna de uma pequena vila marroquina, junto ao Atlas, onde mulheres ameaçam fazer greve de sexo se os homens não forem também buscar água a um local longínquo. A rebelião é liderada pela jovem liberal Leila (Leïla Bekhti) … e tem obviamente sucesso.
O seu filme-anúncio descreve o quadro :
Um outro, “Grande Prémio do Júri “ em Cannes 2011, é da autoria do realizador turco Nuri Bilge Ceylan (alvo duma retrospectiva recente no Nimas). Trata-se de Era uma vez na Anatólia com Muhammet Uzuner, Yilmaz Erdogan e Taner Birsel, entre outros, um filme longo onde “um grupo de polícias, com um médico legista e um procurador, conduz dois prisioneiros na busca impiedosa por encontrar um cadáver” mas (como diz um crítico, J.L.R. ) filme que “não tem história, tem um tecido”.
De como a exumação deste corpo enterrado nas estepes da Anatólia vai também desenterrar pensamentos e medos há muito escondidos nas cabeças daqueles obstinados investigadores sugere-se já neste breve trailer :
Na Terça-feira 15 de Maio, por escassez de outros eventos públicos relevantes, voltamos a sugerir filmes, sob pretexto de que, às 19h30 desse dia, o Institut Français de Portugal exibe “Portugal: Os caminhos da incerteza” do realizador François Manceaux, filmado entre dois aniversários da Republica Portuguesa (2010 e 2011). Segundo se anuncia “mostra, à lupa, o maior abalo que Portugal conheceu desde a sua revolução democratica de Abril 1974” e evidenciar-se-á, através deste filme “de uma beleza luminosa embora sombria, que Portugal é também um laboratório de desregulação económica e social para a Europa e o Ocidente. Uma descriptagem única dos nossos tempos!”. A entrada para a projecção é livre.
Não havendo filme-anúncio divulgado, assinale-se a curiosidade de o mesmo incluir o registo fílmico do concerto dado por Mísia na comemoração em 2011 no Palácio de Belém do 101º aniversário do 5 de Outubro onde se ante-estreou o seu novo disco “A Senhora da Noite”. Mostramos-lhe aqui o teaser oficial contendo aquela canção sobre um poema de Hélia Correia com música do célebre guitarrista Armandinho (1891-1946) e ainda “Simplesmente” com letra e música de Amélia Muge :
E para ficarmos ainda no cinema “português”, lembramos que “Rafa”, a curta-metragem premiada em Berlim de João Salaviza, com Rodrigo Perdigão e Joana Verona, já se encontra em exibição, essa notável filmagem da narrativa sobre um rapaz de 13 anos que deixa a sua casa nos subúrbios e ruma a Lisboa, em busca da mãe que não regressou na noite anterior. Retrata-se a qualidade cinematográfica num dos brevíssimos filmes-anúncio :
Com “Rafa” é também exibida “Nana”,”uma daquelas estrelas cadentes que o cinema de autor de vez em quando atira: objectos fulgurantes, de vocação orgulhosamente solitária e resolutamente singular…”, como um crítico (J.M.) classifica positivamente o filme da realizadora francesa Valérie Massadian, com Kelyna Lecomte, Marie Delmas e Alain Sabras, entre outros.
Tido como “uma espécie de Walt Disney politicamente incorrecto” porque restitituiria “a violência surda de uma ingenuidade de olhos abertos para o mundo que a progressiva urbanização da civilização veio urbanizar”, é facto que a cineasta, de forma notável, se afasta lentamente da observação documental do quotidiano rural ao narrar a história de Nana, uma menina de quatro anos deixada à solta na província francesa por uma mãe que desaparece sem dizer nada.
A ver.
Na Quarta-feira 16 de Maio, às 19h, na Sala dos Espelhos do Palácio Foz será possível escutar o trio do pianista Óscar Marcelino da Graça o qual, contando com a inspiração e a musicalidade do contrabaixista Demian Cabaud e do baterista Marcos Cavaleiro, irá divulgar o seu primeiro trabalho discográfico “Velox Pondera”
registado em 2011.
“Na música do trio, a procura incessante da não repetição formal ou de arquétipos, aliada à indivisibilidade do colectivo, será porventura a característica predominante” (diz um crítico que ouviu o disco, L.R.). ”As estruturas soam flexíveis, por menos que o sejam, sendo a interacção essencial (e talvez o principal motivo de enfoque quando se escute o disco). A música raramente é complexa na sua composição, mas as contínuas comunicação e preocupação com o som colectivo, garantem um carácter orgânico que será tudo menos simples de analisar”.
Este é mais um Concerto Antena 2 de entrada livre.
O vídeo abaixo do tema Pleno num concerto do trio em Aveiro em 2011, antecipa o som actual :
Na Quinta-feira 17 de Maio, não deverá perder-se a vinda a Lisboa de Philippe Herreweghe, o criador do Collegium Vocale e do Ensemble La Chapelle Royale, mais tarde ampliado para a Orchestre des Champs-Élysées. Virá dirigir o Coro e a Orquestra Gulbenkian, dentro do ciclo Wagner +, propondo-se interpretar, com a colaboração dos cantores Sandra Medeiros soprano, Cátia Moreso meio-soprano, Hans-Jörg Mammel tenor e Diogo Oliveira baixo, as peças de :
Johannes Brahms Begräbnisgesang, op. 13
Schicksalslied, para Coro e Orquestra, op. 54
Anton Bruckner Missa nº 3, A Grande
O concerto tem lugar no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, às 21h, sendo repetido no dia seguinte 18 de Maio (Sexta) no mesmo local às 19h.
Para justificar o seu programa diz Herreweghe : “Pode parecer que pertencem a esferas musicais muito diferentes, mas penso que não há verdadeira oposição entre Bruckner e Brahms. Isso acontecia entre Brahms e Wagner, em que o primeiro representava o passado e o segundo o futuro. Bruckner situa-se no meio destas duas correntes. E o seu mundo não é assim tão distanciado do de Brahms, pois ambos se inspiram na música antiga e barroca”.
É possível ouvir Herreweghe a dirigir a Orquestra dos Campos-Elíseos no Kyrie da Missa nº 3 de Anton Bruckner aqui :
e escutá-la integralmente (53 min) sob a mesma direcção com o Coro e Orquestra do Royal Concertgebouw com Hanneke de Wit soprano, Tania Kross meio-soprano, Werner Güra tenor e David Wilson-Johnson baixo aqui .
Na Sexta-feira 18 de Maio, às 21h30, estreia na Sala Principal do Teatro Maria Matos a produção convidada pela Gulbenkian Música “Thanks to my Eyes”, uma ópera de câmara de Oscar Bianchi, em um acto, com libreto de Joël Pommerat, baseado na peça Grâce à mes yeux, tocada pela OrchestrUtopica dirigida por Franck Ollu com os cantores Hagen Matzeit contratenor, Brian Bannatyne-Scott barítono, Keren Motseri soprano e Fflur Wyn soprano e ainda a actriz Anne Rotger e Antoine Rigot (em papel mudo).
O concerto repete à mesma hora no Domingo, 20 de Maio.
A música de Oscar Bianchi, considerado um dos compositores mais virtuosos da sua geração, encontra-se pela primeira vez em ópera com o universo poético de Joël Pommerat para contar uma fábula sobre identidade e conflitualidade geracional. Em Thanks to my Eyes, tudo se centra na relação tempestuosa entre pai e filho — o primeiro é o maior comediante da sua geração, o segundo não quer ceder às exigências do pai para lhe continuar o legado. Forçado a adaptar-se ao modelo paternal, o jovem Aymar procura consolo na companhia de uma mulher estranha e tímida, em noites perigosas e liberatórias passadas longe do ambiente sufocante da casa familiar…
Neste vídeo da cena 17 desta ópera representada no Festival d’Aix 2011 é possível adivinhar-se o clima musical :
No Sábado 19 de Maio poderá ser “diferente”, face à oferta usual e parca, aderir ao programa O restauro da Capela de São João Baptista – redescobrir o seu esplendor que tem lugar na Igreja e Museu de São Roque apenas até 26 Maio (Sábado). (para conhecer o pormenor consultar http://www.museu-saoroque.com/pdf/restauro.pdf)
A Capela de São João Baptista resulta de uma encomenda do monarca português D. João V, sendo construida em Roma, entre 1742 e 1747, obedecendo a um rigoroso programa arquitectónico e estético que incluía, além da capela, projectada por Luigi Vanvitelli e Nicola Salvi, peças de culto e ornamentais que se encontram expostas no Museu de São Roque. Este monumento destaca-se pela riqueza dos seus materiais de revestimento e pela qualidade das composições em mosaico, sendo transportada para Portugal em três naus e assente na Igreja de São Roque, para ser inaugurada em 1752, já no reinado de D. José I.
Os trabalhos de conservação e restauro decorreram entre Novembro de 2010 e Março de 2012 e há actualmente visitas guiadas temáticas como a deste Sábado 19 de Maio, às 10h. A origem italiana da obra levou mesmo à adaptação de menus gastronómicos para atracção dos visitantes, como o que é oferecido neste mesmo Sábado na Cafeteria às 12h30/14h30.
No Domingo 20 de Maio a semana pode agradavelmente encerrar-se com um de dois acontecimentos musicais.
Às 17h, no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, a Orquestra Metropolitana de Lisboa sob a direcção musical de Garry Walker terá a colaboração do pianista Jorge Moyano para um programa que compreende de Joly Braga Santos Concerto para orquestra de cordas, de Robert Schumann Concerto para piano, op. 54 e de Johannes Brahms Sinfonia n.º 4, op. 48.
Diz o respectivo folheto com ironia : “… antes de ouvir a Quarta Sinfonia de Brahms é bom que se respire fundo… propõe-se, por isso, ouvir primeiro o concerto para cordas que o jovem Joly Braga Santos escreveu em 1951, pleno de energia e inventividade melódica… depois, o único concerto para piano de Schumann, com Jorge Moyano, e um estilo pianístico eminentemente romântico… finalmente será então ocasião para o maestro escocês Garry Walker dirigir a última sinfonia de Brahms, uma obra complexa que fala directamente ao coração e onde se juntam razão e emoção”.
Mais tarde, às 19h, é a vez da Fundação Calouste Gulbenkian trazer ao seu Grande Auditório a Orquestra Sinfónica Juvenil de Caracas sob a direcção de Dietrich Paredes para tocar de Camille Saint-Saëns Sinfonia nº 3, em Dó menor, op. 78 e de Dmitri Chostakovitch Sinfonia nº 10, em Mi menor, op. 93.
Gustavo Dudamel considera os respectivos músicos “de um nível impressionante” pois já os dirigiu, como evidencia este vídeo duma sua interpretação do Concerto en la llanura de Juan Vicente Torrealba na homenagem a este músico :