“CARTA de VENEZA – 8 – por Sílvio Castro

“ Poemas brasileiros de Ana Hatherly”

 

O que aqui chamamos de “poemas brasileiros” de Ana Hatherly são composições que formam aquela parte de um de seus últimos livros de poesia, Itinerários (Edições quasi, Vila Nova de Famalicão, 2003), composições essas inseridas na Parte III do dito volume com a denominação geral de “Evocação do Brasil”, por um total de dezesseis poemas. Sendo poemas de viagem, mostram-se igualmente mais que isso: são as reconquistas de sentimentos de lugares, pessoas e coisas sempre vividas de longe.

 

Ana Hatherly, ex-professora de “literatura portuguesa” da Universidade de Lisboa, especialista do barroco e uma das mais ativas vozes da poesia portuguesa contemporânea, está igualmente ligada à pesquisa da modernidade poética brasileira pela grande adesão que sempre deu à poesia experimental do movimento concretista, sendo ela uma das figuras centrais da poesia visiva em Portugal. Na sua obra ligada à “poesia visual”, podemos citar: Mapas da imaginação (1973), A reivenção da leitura (1975), O escritor (1975), Escrita natural (1988). Ao lado dos presente Itinerários, a lírica de Ana Hatherly está em outros vinte-e-um volumes, desde o primeiro, Um Ritmo Perdido (1958), até Théatres de la Parole, Paris, Vallongues, 2002 (Prix Evelyne Encelot).

 

Em seguida, sob a total responsabilidade de meu gosto pessoal (mas igualmente de outras razões muito menos poéticas…), apresento uma amostra da riqueza desses poemas brasileiros da autora portuguesa.

 

EM IPANEMA
(Já não muito garota…)

“………………………………………..
II
O Brasil é um país da natureza
parece a Grécia nisso.

O que é da terra é gente
seja planta bicho ou monte.

Cada monte é um gigante que  sente
tudo é do gigantesco ente.

Cada folha sente
é um leque rente.

O gigante dormente
meio mergulha na lagoa que sente
entre mar e gente
entre ar e ente.

Na cidade
a favela transborda de gente:
Quando irão descer sobre a outra gente?

III
O bairro é Ipanema
a rua é Pirajá
a árvore amendoeira
– Amendoeira? indaguei descrente
(pensei no Algarve
na neve da lenda) –
Nesta amendoeira as folhas são enormes
as páginas são volumes

É Inverno
Julho, mês de Júlio e Império
(sou um ser cultural)
Passeio e olho:
nas árvores há folhas vermelhas
não são folhas são frutas abertas
largas romãs reais
(penso: é uma pintura fauve).

Passeio e olho:
as plantas – que fortes! –
parecem bichos
animais robustos

Suas raízes devem ser enormes

…………………………………………………….
V
Ó Ipanema
não posso resistir:
É de manhã
quero ser um naïf!

Ipanema é canção de muita gente
                  rua  cheia
                praia  cheia
                   lua  cheia
     tenho a alma  cheia de gente
                 tudo  anda
               gente  anda
               carro   anda
               corpo  mexe
                anca dança
tenho a alma numa balança
                sobe  desce
               corre   passa
               volta      vira
               olha      mira

Sou criança
quero entrar na dança

…………………………………………….
XI
A terra é tua
cai
deixa-te cair
deixa deixar-te

Cede
é cedo ainda

A terra erra
       sem erro”

EM BRASÍLIA

“…………………………………..
III
Canto-te
vou ser o teu cantor
deslumbrado e obsoleto

Canto-te
e estou morrendo
em tua nascença
minha herança
minha longínqua linhagem

Canto-te
estou no chão
de tuas torres.
deito-me sobre ti
e despeço-me”

 

  A jovem investigadora universitária italiana de literatura portuguesa, Simonetta Masin, igualmente poetisa e tradutora de poesia, tem pronto um volume com a tradução para o italiano – completado com um estudo introdutório – do livro de poemas de Ana Hartherley, A Néo-Penélope.

 

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