EM COMBATE 62 – por José Brandão

 

 

Companhia de Caçadores 2739

ANGOLA
1970-1972

 

 

Os militares que viriam a fazer parte da CCaç 2739 têm como unidade mobilizadora o Regimento de Infantaria n.º 2, sediado em Abrantes, em cuja Instrução Especial a maioria dos seus elementos vieram a tomar parte.

Em 25 de Maio de 1970, a CCaç 2739 começou, de facto, a sua existência como subunidade ao deslocar-se para o então Campo de Instrução Militar de Santa Margarida (CIM), onde se iria realizar a Instrução de Aperfeiçoamento Profissional (IAO). No dia seguinte à sua chegada deu-se início a uma Escola Preparatória de Quadros (EPQ), destinado aos graduados que iam tomar parte nesta fase da instrução. Por aqueles dias foram-se também juntando os especialistas, os homens de transmissões, os condutores, os cozinheiros, os escriturários, vindos de outras unidades, que depois iriam parar à formação. 
 

VIAGEM NO “VERA CRUZ” ATÉ LUANDA

 

De 29 de Junho a 9 de Julho, entrámos 10 dias de licença que, as normas (do tal artigo 20.º das NNCCMU), nos concediam antes de embarcarmos para o Ultramar. Durante este período íamo-nos despedir da família e preparar a nossa vida para aquela longa ausência e, gozadas que foram, reunimo-nos de novo no CIM, onde seguimos de comboio para Lisboa para embarcarmos no navio “Vera Cruz”, um belo transatlântico de 21.000 toneladas, outrora utilizado nas carreiras de África e para o Brasil. Chegados à doca da Rocha do Conde Óbidos, ali desfilamos no cais de embarque em continência ao representante de Sua Ex.ª o Ministro do Exército.

 

 

 

Embarcámos em Lisboa em 25 de Julho de 1970, pelas 10 da manhã, uma hora bem escolhida, pois com os atrasos fez-se meio-dia e, estando já pronta a refeição no navio, tivemos que ir almoçar – alguém nos chamou, – diminuindo com isso o número de militares no convés e o clamor das despedidas junto do cais, a evitar, embora nesta altura ele já tivesse perdido grande parte do seu dramatismo: a visão apavorante dos primeiros tempos da guerra. Mesmo assim, alguns militares ainda tiveram ali os seus familiares num último adeus. O navio fez soar a sirene, grave e autoritária, ia partir. Alguns choros se apossaram das mães, esposas e noivas que ali se deslocaram, vindo dos mais diversos pontos do país. Houve acenos de lenços, brados de últimas despedidas. E o navio lá seguiu, indiferente àquele clamor e mesmo à beleza luminosa das colinas da cidade de Lisboa.

 

 

No “Vera Cruz” os oficiais ocuparam a 1.ª classe, os sargentos a 2.ª e as praças a 3.ª ou arremedos disso, pois grande parte dos soldados dormia nos porões, em beliches improvisados para aquelas viagens, escuros, sem as mais elementares condições de conforto. Além disso, tinham que gramar com o ruído incomodativo da casa das máquinas.

 

O “Vera Cruz” atracou no porto de Luanda em 4 de Agosto de 1970, pelas 04:30, mas só começamos a desembarcar pelas 06:30 da manhã. Seguimos de viatura até ao Campo Militar do Grafanil, no Norte da cidade, e ali mesmo, voltámos a desfilar em continência, perante o general Oliveira e Sousa, comandante da Região Militar de Angola. Ainda passeámos os nossos camuflados pela cidade de Luanda, onde ficámos até 8 desse mesmo mês de Julho, data a partir da qual iniciamos a nossa viagem para Cabinda, que se estendeu por mais duas “levas”, a 13 e 18 desse mesmo mês, na lancha Aríete da Marinha Portuguesa. A emoção que então nos percorria era um tanto estranha, cruzam-se nela o medo, a aventura, a curiosidade e o espanto.
 

 

 

IDA PARA CABINDA COM DESTINO AO BATA SANO

 

Só à chegada a Luanda soubemos que íamos para Cabinda, e isto foi motivo de alguma satisfação para nós, que receávamos uma zona ainda mais perigosa. Foi-nos dito que o Enclave era calmo, que a actividade do inimigo era reduzida, mas agora vejo que aquelas palavras correspondiam mais ao desejo de nos tranquilizar do que ao de nos transmitir a mais nua e crua verdade. A lancha ia transportar um terço do Batalhão de cada vez, sendo as Companhias fraccionadas para se permitir uma sobreposição com as subunidades que íamos render. Pusemos as nossas malas e sacos de bagagem na coberta da lancha, que os marinheiros taparam com oleados, e aguardamos a chegada ao nosso destino. Ainda dormimos uma noite na embarcação, sem condições para o transporte de tropa, por onde calhou. A maioria das praças ficou-se por debaixo dos oleados. Revelando grande espírito de sacrifício não esboçaram qualquer protesto. Valeu que ali não fazia frio… à excepção daqueles que iam abaixo do nível das águas, tendo como “colchão” o revestimento férreo da lancha e o céu estrelado como “telhado”, nunca “raparam” tanto frio. Para amenizar esse “conforto”, cada um deles tentava, por todos os meios, “enroscar-se” no meio dos outros.

 

Saídos no porto de Cabinda, seguimos para o Bata Sano, a estrada já era asfaltada, a viagem fez-se sem grandes sobressaltos, mas durante o trajecto deu para experimentar a estranheza da paisagem que nos ia acolher durante dois anos, se lá chegássemos. As horas de chegada variaram, houve quem chegasse de madrugada. O itinerário seria relativamente seguro, mas para nós era como se já estivéssemos em plena guerra. Havia sempre o receio de nesse dia sermos emboscados e, a sermos, não seríamos os primeiros. Éramos na gíria “maçaricos”, militares sem experiência de combate, e o inimigo gostava de testar tropa deste calibre, na esperança de que, com meia dúzia de tiros nos matássemos uns aos outros. Mas felizmente não houve problemas. Pelo caminho, e mesmo no Bata Sano, por vezes a tropa “velhinha” era por demais exuberante na sua alegria de deixar aquele território, gritando em altos brados: “Maçaricos!”, “Maçaricos!”, “Maçaricos!”.

 

Tendo a CCaç 2739 chegado a 10 de Agosto ao Bata Sano, só assumiu funções de intervenção a partir de 14 do mesmo mês, mas só papel, o seu destino já estava traçado – ia integrar a operação “Mundo Novo”, que consistia em abrir uma estrada de terra batida de Buco-Zau ao Chimbete, um aquartelamento, sede de Companhia, situado numa zona de clima insalubre, junto do rio Necuto. A estrada ia ficar com um leito macadamizado de sete metros de largura, e uma extensão desmatada de cinquenta metros para cada lado, eliminando curvas e aplanando terrenos, tornando mais seguro o itinerário, onde no passado, os batalhões que nos precederam sofreram alguns revezes.

 

                                              

                                                                                                                                                                                                                Em cima: O Quartel de Bata Sano

1 Comment

  1. Também conheci bem esse percurso estive em 1974/75 em Sangamongo e depois Belize .Um abraço a todos que por lá passaram .batalhão 6524/74 !º companhia . José Bastos 1º cabo condutor

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