EM COMBATE 64 – por José Brandão

 

M’BUNDO

Em 19 de Outubro de 1970, pelas 6 horas e 45 minutos, sofremos a segunda emboscada, ao que se julga por uma força de cerca de 70 elementos – seria um bi-grupo. Desta vez eles vinham mais bem preparados, ou assim se julgavam, e em maior número. Ocuparam, como seria de esperar, o lado esquerdo da picada, já desmatada, mas a alguma distância. Eles já tinham testado o nosso potencial de fogo. Conheciam-nos bem, pois era sabido já nos andarem a espiar há vários dias, o que não lhes era difícil, já que nos dispensávamos de penetrar naquela mata, quase intransponível. Eram guerrilheiros que ainda não conheciam muito bem a zona, recrutados que foram a Sul, fora do Enclave, entre os kimbundos e kilongos pois, o MPLA, não tinha muito apoio entre os cabindas, a pensarem numa independência separada.    

Eles tinham uma emboscada marcada para esse dia, assim foi determinado pelos seus delegados políticos e comandantes militares, mas sabiam que iam enfrentar uma força de mais de cem homens disciplinados e bem armados, temeram-se, instalando-se muito lá atrás. Ao fazerem esta opção, as munições das suas Kalashnikov e RPG2 acabaram por passar por cima das nossas forças. Além disso, nós abrigámo-nos de imediato atrás de qualquer tapume ou tronco de árvore que a engenharia tivesse deixado por ali dispersos. A frente da emboscada chegou a atingir dois quilómetros de extensão. Chegaram a estar ali a reagir à emboscada seis grupos de combate, para além do pelotão da engenharia. Mesmo fazendo fogo mais ou menos ao acaso, para onde nos parecia ouvir disparos, despejámos para ali tantos milhares de munições de G3, tantas granadas de mão, de morteiro e de lança-granadas, que algumas acabaram por os atingir. Foi esta a razão que demorou tanto a emboscada, soubemo-lo mais tarde. Eles tinham de evacuar os seus feridos, alguns graves, e iam fazendo fogo, nem que fosse para o ar, para nos deterem cá em baixo. Nós, ao ouvirmos os seus disparos, ripostávamos pois, no meio daquela refrega em que o inimigo não se calava, não sabíamos sequer se já teríamos ou não baixas.

Havia medo de parte a parte. A mata era um labirinto, sendo para nós um suicídio tentar entrar nela naquela altura, tanto mais que certos trilhos de penetração, também chamados “fiotes”, estavam minados por nós, ou porventura por eles. O capitão Coutinho, algo nervoso mas decidido, ainda tentou ir à frente contorná-los pela picada de Sangamongo. Passou pelo alferes Aguiar que lhe ofereceu a sua ajuda. Ele pediu-lhe apenas mais uma secção e lá avançou com ela, timorato, tentar calar o inimigo. Mas mesmo lá à frente a mata era densa e, se junto à picada o solo parecia plano, ao penetrar nele ora subia ora descia abruptamente. Além disso, só era penetrável à força de catanada e, ele ao entrar por ali na mata, podia vir a ficar sob o fogo das suas próprias tropas que, na estrada já aberta, tentavam ripostar ao fogo inimigo. Sendo assim, depois de quase cinco horas de combate voltou para trás, fez um estudo da situação e, como não havia baixas entre o nosso pessoal, ligou para o Batalhão mandando suspender o fogo. Alguém disse ter visto fugir, mesmo ali à frente, um guerrilheiro mas, ainda hoje, há dúvidas se esta visão não terá passado mesmo… de uma visão.

Na altura não sabíamos que inimigo estávamos a enfrentar, que homens teríamos pela frente, mas em 4 de Novembro, a nossa rede de informações confirmou que tinham sofrido 8 feridos graves. A partir dali a CCaç 2739 ficou a ser bem conhecida e temida pelo inimigo, que fez referências aos “Lenços Amarelos” na sua estação de Rádio a emitir a partir do Congo Brazzaville.

Depois de tantas horas de fogo, já não se trabalhou nesse dia. Nesse aspecto eles conseguiram atrasar os trabalhos e cumprir parcialmente o seu objectivo. O brigadeiro, comandante de sector, fez um pequeno reparo ao exagero de munições gastas, mas elas, bem ou mal lá cumpriram o seu objectivo.

Em 4 de Dezembro, tendo há muito iniciado a época das chuvas, tivemos de parar com a operação, ficando a picada rasgada até quase ao Chimbete, apenas com pequeno troço por compactar. Todavia, a ponte de cimento armado sobre o rio Necuto ficou concluída, o que significou um acréscimo na segurança para a Companhia sediada no Chimbete, a CCaç 2570, pouco depois substituída pela CCaç 2740, embora se tivesse a lamentar a morte na sua construção de um soldado de engenharia, que lhe deu o nome.

Regressámos então à sede do Batalhão, ao Bata Sano, onde permanecemos até 22 de Fevereiro de 1971, como Companhia de intervenção, deixando um grupo de combate a reforçar a Companhia sediada no Chimbete até 11 de Dezembro. Foi um período relativamente calmo e agradável, onde estreitamos as relações com a Companhia de Comando e Serviços do Batalhão (CCS).

Regressados à anterior condição de Companhia de Intervenção do Batalhão, tomamos parte em diversas escoltas e patrulhas.

Em 3 de Fevereiro de 1971, um grupo de combate da CCaç 2740 accionou duas minas anti-carro e duas anti-pessoal na picada para Sangamongo. Iam fazer mais um reabastecimento àquele destacamento. Soube-se logo, com grande pesar de todos, que tinham sofrido dois feridos graves e dois ligeiros. A situação era calamitosa. Dois grupos de combate da CCaç 2739 foram então em seu apoio, tendo colaborado na condução dos feridos ao hospital da Fazenda Alzira, de onde foram evacuados para Cabinda. 

 

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