ESTADIA NO TCHIVOVO
Terminada a operação “Mundo Novo”, naquela que viria a ser a sua 1.ª Parte, depois de uma curta estadia na sede do Batalhão, a CCaç 2739 é transferida para o Tchivovo a 20 de Fevereiro de 1971, onde foi substituir a CCaç 2738. A transferência fez-se por duas “levas”, tendo a nossa Companhia garantido o serviço já no dia 22. O aquartelamento, constituído por uma série de barracões de madeira, era minimamente confortável, tendo como ponto fraco o reabastecimento de água. O alferes Peixoto, que fez parte da primeira leva, ia já instruído para tentar conseguir esse reabastecimento, directamente a partir de um poço nas imediações, o que conseguiu a custo com o seu pessoal. O motor, porém, acabou por avariar, e os riscos de segurança que implicava ir alguém lá abaixo todos os dias ligá-lo, levou a que se abandonasse o projecto. A Companhia passou a ter que ir buscar a água a uma ribeira ali próxima, junto à picada que dava para o Dinge. Era barrenta, com muito mau aspecto, mas não havia melhor.
O calor normalmente apertava e com ele vinha a sede e algum mal-estar. Íamos então até aos bares beber Nocais e Cucas (as marcas de cerveja ali mais vendidas), as Sevenup, as Pepsi Cola e os sumos. Julgo que, no tabaco, a marca LM predominava. O uísque também era muito apreciado, servido habitualmente com algumas pedras de gelo sobretudo a oficiais e sargentos, que podiam comprar até duas ou três garrafas por mês, distribuído pela Manutenção Militar, livre de impostos.
Logo que chegou ao Tchivovo a Companhia fez destacar um grupo de combate para o destacamento do Safca, que fazia rodar mensalmente. Tratava-se de uma pequena povoação, onde havia uma serração de madeira a quem montávamos a segurança.
Havia o Movimento de Viaturas Ligeiras (MVL), efectuado por regra às terças e quintas-feiras. Chegavam ao aquartelamento do Tchivovo normalmente duas viaturas com os géneros e o mais diverso material de aquartelamento e de guerra que era necessário. Com elas vinha o correio através do Serviço Postal Militar (SPM), que era muito apreciado, pois funcionava ali como um cordão umbilical que nos ligava à família. Por regra utilizávamos os “bate-estradas” ou aerogramas, fornecidos pelo Movimento Nacional Feminino e que eram de porte gratuito. Quando não recebíamos correspondência dizíamos que tínhamos “lerpado”, verbo que ali também significava morrer, tal o valor que lhe dávamos e, quando a recebíamos, procurávamos lugares recatados que nos permitissem alguma privacidade onde ficávamos esquecidos a olhar para o que ali vinha “falado”. Também passou pela Companhia a presidente do Movimento Nacional Feminino (MNF) e uma equipa de televisão para colher as mensagens de Natal a visionar na Rádio Televisão Portuguesa (RTP) que na Metrópole nos massacravam de Novembro a Janeiro com os inevitáveis e enfadonhos finais: “Adeus, até ao meu regresso”, como se esse já estivesse garantido.
Uma parte das nossas economias era deixada, por aqueles que o desejassem, a um familiar na Metrópole para mais tarde dispormos delas quando regressássemos.
Apesar do aquartelamento estar já na savana, proliferava por ali o mosquito “anofeles”, que espalhava entre nós o paludismo, a célebre malária, uma febre que demorava meia dúzia de dias a curar com comprimidos ou mesmo injecções à base de rezoquina. Houve quem contraísse sete vezes esta doença, que provocava um grande mal-estar, debilitando o pessoal e reduzindo a operacionalidade das nossas forças.
No Tchivovo, ainda quem nos ajudava a passar melhor o tempo eram as “meninas”, embora algumas tivessem bem mais de 30 anos, como a Maria que, com a sua conversa e boa disposição, para não falar de outros atributos, nos tornava mais leves as horas. Elas revezavam-se naqueles quartos e, quando chegavam de novo, para alguns era como se viessem virgens e logo merecedoras de uma visita especial de cortesia.
No fim da comissão o tempo tornou-se ainda mais pesado, quase insuportável, a comissão parecia nunca mais acabar, e até dava a impressão que ia ser agora que íamos ter um azar e deixar ali os ossos para sempre. Havia alguns militares “cacimbados”, termo que utilizávamos para quem não estivesse a regular bem dos miolos, prestando-se aos mais incríveis disparates. Este estado de coisas só foi diminuído quando entrámos na febre de fazer os caixotes de madeira para levar as nossas coisas para o “Puto”, a despachar previamente num navio de carga.
Em 29 de Junho de 1971, tendo saído um grupo de combate em patrulhamento com o alferes Peixoto a comandá-lo, o soldado condutor, Domingos Ferreira de Castro, num ressalto da picada deixou cair o “quico” e, tentando-o apanhar em andamento, tão desastradamente o fez que acabou por cair do Unimog, sofrendo um traumatismo craniano. A viatura seguia devagar, imobilizando-se mais à frente. Foi um acidente estúpido. Veio a equipa médica, chefiada pelo Dr. Pires Alves, que lhe prestou os primeiros socorros e, devido à gravidade do seu estado, diligenciou a sua evacuação para Cabinda. De lá ainda o transportaram para Luanda, onde veio a falecer em 1 de Julho no Hospital daquela cidade.
REGRESSO
No fim da comissão, o grande frenesim era cintar os caixotes de madeira para levar as nossas coisas para o “Puto”. Finalmente foram-nos atribuídos os códigos que elas deviam ter para chegarem ao seu destino: o quartel do Regimento de Infantaria 2. Todos procuram levar uma última recordação que encontrassem, aparelhagens ali mais baratas, panos de estampados regionais e muitos, até madeiras preciosas, de que fizeram os próprios caixotes, em que se incluía o célebre pau-preto, para não falar do “Pau de Cabinda”, ainda mais precioso em certas dificuldades da vida.
Mas ainda tivemos momentos desagradáveis antes do regresso, quando em 8 de Agosto de 1972, na operação “Mundo Novo – 3ª Parte”, o jipe do comandante da CCaç 3408 foi emboscado. Pereceram ali, à vista do acampamento do “Morro da Engenharia”, o capitão de infantaria António Alberto Rita Bexiga, o alferes médico Miguel Barroso Silvério Marques (da CCS do Batalhão) e o furriel miliciano Silvério J. Verdial Caldeira. Perante tal desastre, a Companhia ainda teve de destacar para ali um grupo de combate para reforçar e moralizar aquela Companhia, atingida por tão infaustas perdas.
Em 12 de Agosto parte a primeira leva da Companhia para Luanda na lancha “Aríete” da Marinha Portuguesa. Era constituída pelo 1.º e 2.º grupos de combate. Com as “levas” das outras Companhias do Batalhão iriam aguardar o resto das suas subunidades no Campo Militar do Grafanil.
Estando a Companhia toda em Luanda, a partir dali foi um instante até nos meterem num avião fretado à TAP e, assim, em 31 de Agosto regressámos a Lisboa.
Quando algumas horas depois aterramos no aeroporto de Figo Maduro e saímos para Lisboa, já à civil, ainda parecíamos não acreditar, mas ali estávamos, finalmente, agora era apanhar o primeiro transporte que nos levasse a casa para abraçarmos os nossos familiares e darmos realização aos nossos sonhos, há tempo maravilhados na nossa cabeça. Lendo a imprensa e vendo os telejornais, dir-se-ia que todo o império se mantinha em paz, do Minho a Timor. Estávamos felizes, mas as nossas dificuldades não parariam por ali, tínhamos de nos reintegrar na vida civil, o que não iria ser fácil para todos. Não vínhamos os mesmos de quando fomos para lá. Aqueles dois anos tinham pesado muito nas nossas vidas.
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