Globalização e Desindustrialização – 4ª Série

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

 

Capitulo IV. 1. Bens e serviços negociáveis e não negociáveis no quadro da economia global: o caso da economia americana. Por Michael Spence e Sandile Hlatshwayo  – XII

 

(continuação)

 

Uma breve síntese

 

Em resumo, ao longo dos últimos vinte anos na economia dos EUA, algumas partes do sector de bens e serviços transaccionáveis, cresceram em valor acrescentado e em emprego (por exemplo, finanças, seguros, as indústrias de design assistido por computador), enquanto que outras partes cresceram  em valor acrescentado  mas desceram   em termos  de volume de emprego,( indústria electrónica e automóvel). Os primeiros são aqueles cuja maioria faz parte da cadeia de valor acrescentado e que estão na faixa superior em termos de valor acrescentado por trabalhador. Os segundos  são sectores, como a indústria transformadora, com uma larga gama de componentes de valor agregado. Nestes, as porções de menor valor acrescentado por empregado deslocam-se para as zonas offshore, causando  um declínio nos volumes de  emprego e levando a que as partes de maior valor acrescentado permaneçam competitivas e  procurem   aceder a operarem num ambiente global e com acesso aos mercados das economias emergentes com o crescimento em alta, expandindo assim as oportunidades de comércio e de indústria. Em termos globais o sector de bens e serviços transaccionáveis gerou em termos de emprego acréscimos insignificantes.

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No entanto, a economia não tem tido um problema de desemprego, pelo menos até que a crise de 2008 tenha deflagrado. A expansão da força de trabalho foi absorvida no sector de bens e serviços não transaccionáveis internacionalmente ​​(cerca de 26,7 milhões para um total de 27,3 milhões de novos empregos), em que o sector governo e o de cuidados de saúde lideraram  o crescimento de criação de postos de trabalho (10,4 milhões de empregos adicionais  entre eles). Do nosso ponto de vista , é pouco provável que esse tipo de estrutura quanto a empregos adicionais possa continuara desenvolver-se desta maneira . As probabilidades são elevadas de que o ritmo de criação de empregos no sector dos  bens e serviços não negociáveis internacionalmente  ​​vá desacelerar. As condições orçamentais, os custos do sector da saúde, uma clarificação dos valores no sector do   imobiliários e a eliminação do excesso de consumo, tudo isto  aponta para potenciar  por um longo prazo o enorme problema estrutural do emprego a médio e longo prazo. A expansão do emprego no sector dos bens e serviços negociáveis internacionalmente será, quase que certamente, parte da solução do problema. Se assim não for, os Estados Unidos terão um grande problema quanto a emprego a longo prazo. 

 

As falhas de Mercado ou os  problema de distribuição de rendimento?

 

Ao descrevermos estas tendências, questionámo-nos várias vezes sobre qual  seria a natureza das falhas do mercado. A resposta parece bastante clara. Não há nenhuma grande falha de mercado na forma como os economistas usam normalmente este  termo. As multinacionais, as empresas que operam na economia global, e aqueles que têm um papel na criação e gestão de cadeias de produção globais são bons no que fazem e têm-no vindo a fazer  cada vez melhor no decorrer do tempo. Eles estão bem informados sobre como fazer negócios em vários ambientes nacionais (um recurso bastante  importante). Eles identificam e respondem  ao mercado e  às oportunidades levantadas nas cadeias globais de produção. Os custos de transacções de cadeias complexas de produção  global  e geograficamente dispersas estão a cair  devido a uma combinação de especialização ao nível da própria gestão com as  tecnologias de  informação  que acabam por permitir  uma eficiente coordenação de  sistemas  complexos  que por seu lado estão geograficamente dispersos. . Os custos de afastamento a longas distâncias  estão a diminuir  ou, como Thomas Friedman diria, o mundo está a tornar-se cada vez  mais plano.

 

A economia global dispõe actualmente de uma enorme abundância de recursos humanos e que se estão a tornar cada vez  mais acessíveis.  Há um aprofundamento em termos de capital humano e das capacidades profissionais à medida que as economias emergentes  se desenvolvem. As porções da cadeia de produção global  em que estas economias têm  forte potencial  para nelas  se tornarem  competitivas estão a crescer.

 

As empresas multinacionais, que operam de uma forma que lhes dá  acesso a estes activos e aos correspondentes mercados em crescimento  estão a fazer o que seria de esperar exactamente que elas façam. A eficiência do sistema global daí resultante é elevada e crescente. Então, não há falhas de mercado. O sistema é complexo e em constante evolução, mas os agentes operadores no sistema  adaptam-se  para as areias movediças das vantagens  comparadas  e das dimensões do  mercado, e movem a  actividade económica (acho que movem partes das cadeias produtivas de valor acrescentado  global) para os locais onde ele possa ser executada  com uma alta eficiência e ao mais  baixo custo.


Se o problema não é então sobre a eficiência ou sobre as falhas de mercado, qual é então o problema? A resposta é que as forças de mercado têm consequências ao nível da  distribuição do rendimento e ao nível das oportunidades de emprego. Haverá subconjuntos da população mundial, incluindo os indivíduos  no interior dos países individualmente, que poderão sentir os seus  efeitos adversos.

 

Uma maneira de pensar sobre o que está a acontecer  é que os mercados globais estão a tornar-se cada vez mais integrados nos sectores transaccionáveis e nas suas funções, enquanto antes eles eram separados geograficamente por elevados custos de transacções e por barreiras políticas. Quando os mercados se fundem, total ou parcialmente,  há efeitos sobre os preços, sobre os  salários e sobre os rendimentos. Alguns sobem e outros  descem. Nem todo o mundo fica melhor.


Isso parece bastante claro na economia americana. Os trabalhadores de mais elevado nível de ensino que trabalham nos postos de trabalho altamente remunerados dos sectores negociáveis e não negociáveis internacionalmente têm rendimentos elevados e crescentes e oportunidades de emprego interessantes e desafiadoras, quer a nível nacional quer no exterior. Muitos dos trabalhadores de rendimentos médios, no entanto, estão a ver as suas opções de emprego cada vez mais reduzidas e os seus rendimentos a estagnarem. Recentes estudos sugerem que as pessoas têm dúvidas quanto às  oportunidades de emprego disponíveis para as gerações futuras. Isto pode ser pessimismo induzido  pelo tremendo choque da crise, pelos altos níveis  de desemprego,  e por uma recuperação económica que tarda . Mas parece que o declínio das oportunidades de emprego no sector dos  bens e serviços transaccionáveis para trabalhadores de remunerações médias  é já bem anterior  à crise. A incerteza acerca da  quantidade e da qualidade das oportunidades de emprego para este grupo é considerável.

 

As mudanças na distribuição dentro dos Estados Unidos são bem espelhadas pelas mudanças   ocorridas entre as  nações. Durante várias décadas a seguir à guerra  os países avançados estiveram bem. As economias danificadas pela guerra recuperaram e as economias avançadas cresceram a taxas respeitáveis ​​(da ordem de 2,5 por cento em termos reais ao ano). Em geral, não houve grandes problemas de desemprego. Enquanto isso, e para o mesmo espaço de tempo os países em desenvolvimento em que se deram reconhecidamente, numerosas falsas partidas e de diferentes pontos de partida, começou a crescer.  Esta estrutura de taxas de crescimento expandiu-se. A redução da pobreza tem sido enorme, e mais redução estará ainda para vir. A chegada da China e da Índia (em momentos diferentes) ao grupo de países de altas taxas de crescimento foi um ponto de enorme viragem devido  à  massa de populações envolvida , uma vez que estes dois países representam quase 40 por cento da população mundial).


Mas mesmo assim, porque eles eram relativamente pobres e economicamente pequenos, nas primeiras fases do seu crescimento, os seus impactos económicos globais também eram pequenos. Mas agora as coisas também estão a mudar.  Ao longo do tempo, com as  taxas de crescimento superiores a 7% ao ano (o que implica dobrar o PIB de dez em dez anos ou até mais ), as  suas economias estão a  tornarem-se de muito maior dimensão económica   e mesmo tempo a ficarem mais ricas e, por tudo isto,  começam  a ter já um impacto sistémico.

 

Durante o período pós-guerra, os efeitos distributivos da globalização foram amplamente benignos, mas parecem estar agora numa encruzilhada. Os principais mercados emergentes e  os países em desenvolvimento em geral são  agora colectivamente e, em alguns casos (como a China), individualmente, sistemicamente importantes, em termos  quer de estabilidade macroeconómica e financeira quer ainda  quanto ao efeito  que estes mesmos países têm sobre a estrutura das outras economias.


Muitos desses efeitos são positivos. Os bens de consumo, por exemplo, são mais baratos do que eles seriam se estivéssemos num um ambiente económico menos aberto. Mas os efeitos distributivos podem ser negativos. Dentro dos países, a desigualdade pode aumentar. Entre os países, o sucesso das economias emergentes pode impor custos sobre os mais ricos, levando a que se esgote o apoio público à globalização.

 

(continua)

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