MULHER A CRESCER, MACHISMO A TREMER. AFILIAÇÃO DA CRIANÇA. – 2 – por Raúl Iturra

 

3. Machismo a tremer.

 

Um conceito delicado, este de machismo usado neste texto. Machismo é um sentimento que defino como o de mandar nas emoções da pessoa que se penetra, seja física, seja idealmente. Com o corpo ou com as ideias. Sentimento de dominação do espaço social e dos afazeres. Comando sobre a lei costumeira e a lei positiva. Sentimento necessário, como o etnocentrismo, de pensar que somos os melhores, os que mais sabemos, os que entendemos o contexto e o definimos. Machismo, conceito aplicável a toda idade e toda relação entre seres humanos, quando há um que diz e ao outro toca ver, ouvir e calar. O machismo que treme, porém, não é o masculino do homem. É o masculino da economia que nos vê agir e nos manda comportar. Os homens, habituados à forma patriarcal do comportamento social, ficam perdidos. Bem gostam de serem gentis e sedutores, oferecerem flores e caricias, visitarem, convidarem, apalparem… A resistência é dura. A sedução é um comportamento distribuído de forma igual entre as pessoas. Até é difícil, num texto como este ou noutros semelhantes que tenho escrito, diferenciar entre homem e mulher. Entre heterossexual, bissexual, andrógino e outras classificações semelhantes.

 

 A partir de Sábado 16 de Setembro do ano 2000, no dia que a Holanda ou Nederland, aprovou a lei de matrimónio entre pessoas do mesmo sexo, lei justa e largamente esperada por tantos e em tantos países, como invoca o jornal que a anuncia – o machismo deixou de ser o privilégio dum sexo para passar a ser um conceito passível de ser aplicado a todos os que, na relação emotiva, comandam sem autoridade e com força subversiva. Este é o machismo que levou a muitos seres masculinos a perderem as pessoas femininas das suas vidas, por não terem entendido a liberdade real que essa pessoa companheira, merecia. Pessoa companheira, a não entender essa liberdade; pessoa que deixa de ser companheira ao sentir que a sua liberdade não é que lhe esteja fechada: é que a não entende. Não entende como ser utilizada. Não entende como acompanhar e completar o outro ser que, no seu ver, a limita, a fecha, parece ser abandonada em casa. A viver essas horas mortas de criar uma pequenada que mama, come, chora, procura os meios para explorar a vida. Meios que apenas encontra no adulto que fica com essa criança, em casa. Seja ela ou ele; seja uma mãe, um pai; sejam duas mães, dois pais, avôs, uma empregada ou nana. O machismo está a tremer e nós, a ficarmos sós, desamparados. O sentimento social mudou e nós, adultos de hoje, criados na infância de ontem, não sabemos qual o modelo para nos orientarmos ou para dar apoio à geração seguinte, essa que pede conselho. Qual é o que podemos dar? Será preciso reler Tomás de Aquino, Adam Smith, Milton Friedman, autores por tantos ignorados e, no entanto, por todos praticados, saibamos ou não.

 

 

4. Coda final.

 

Será que o leitor vive este sentimento? Sentimento que é um feito observado por mim durante trinta anos em Continentes e gerações diferentes. Gostava de lhe dizer que as temáticas sobre a emotividade do nosso Século XXI, são muito difíceis, são apenas uma exploração do agir da transição que começa a aparecer junto a nós. Nos tempos da nossa juventude, nos tempos da nossa maturidade, nos tempos de que falei nesse artigo do mês de Junho de este ano 2000 e que nunca mais me abandona, como ideia central para entender a epistemologia da criança. O machismo é um elo central a analisar para entender a criança: ficamos a saber mais de nós, dos nossos aparentes fracassos individuais e o seu contexto. Factos resultado apenas duma mudança na forma de ser, no acontecimento do dia-a-dia, das formas de amar, das formas de gerir os raros recursos que a economia nos permite. Há quem diga que é o Governo, há quem diga que é o Diabo, ou Deus. Ninguém quer ver dentro de si para entender que a História mudou e alastrou à individualidade na sua mudança. Mudança normal quando lemos do passado, difícil de entender na nossa época. Essa que nos faz, forma e reforma. A filiação das nossas crianças é heterogénea.

 

Apenas cabe aceitar. Sem raiva. Como essa mulher da minha história, que nos começos dos anos setenta, acabou por gritar no meio das outras: quem me dera que a minha casa desaparecesse, que as suas paredes esbatessem e eu possa vir para rua…a fazer…o quê? Não sei, mas deixar esse lar que me asfixia. Era a mulher de Ventura Galvan, camponês do Chile, e Margarida Huenchu, de Huilquilemu, perto de Pencahue, em Talca, Chile. Mulher que foi para a rua, e na rua ficou só. A aprender até hoje, o como viver a vida gerida por ela, sem mais ninguém. Só. No dedilhado da suite de Bach, com som de fandango. Queira o leitor responder.

 

Bibliografia.

 

Amâncio, Lígia, 1994: Masculino e Feminino. A Construção Social da Diferença, Afrontamento, Porto.

Aquino, Tomás de, (1267-1273) 1969: Summa Telogica, University of Nôtre Dame, Indiana.

Bourdieu, Pierre, (1998) 1999: A dominação masculina, Celta, Oeiras.

Friedman, Milton e Rose, (1979) 1980: Liberdade para Escolher, Europa-América, Lisboa.

Jefferson, Thomas, 1775: Declaration of Independence, varias edições.

Iturra, Raúl, 1972: Elementos para el Estudio de la Movilización Campesina, CEAC, Pontificia  Universidad Católica de Chile, sede de Talca.
2000: O saber sexual das crianças. Desejo-te, porque te amo, Afrontamento, Porto
Junho, 2000: Os meus pais não são pessoas, ensaio em A Página da Educação, Profedições, Porto.

Joaquim, Teresa, 1983: Dar à Luz, Dom Quixote, Lisboa
1997: Menina e Moça, Fim de Século, Lisboa

Nunes, Berta, 1997: O Saber Médico do Povo, Fim de Século, Lisboa.

Smith, Adam (1776) 1874: An enquire into the reasons and causes of the Wealth of Nations, 1ª edição comigo, Murray. A., Londres. Há versão portuguesa, Fundação Gulbenkian, Lisboa

 

A seguir – O CÓDIGO CIVIL CHILENO

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