DIÁRIO DE BORDO, 27 de Maio de 2012

 

A vida da nossa pátria está cada vez dependente da Europa, das decisões tomadas nas  potências e nas instituições que a dominam e das vicissitudes geradas pelas crises que a agitam, cada vez mais e mais. Alguns ainda defendem que seria melhor sair da UE, da zona euro ou do euro, mas depois enumeram condições atrás de condições necessárias para que tal empreendimento venha a ter êxito, ou pelo menos não se transforme num desastre ainda maior, de tal modo que se percebe que não acreditam muito no que dizem. O facto é que os problemas europeus condicionam cada vez mais os nossos problemas.


Nos últimos meses decorreram vários actos eleitorais em vários países que deram a impressão que muita gente está contra as políticas dominantes. Essa impressão é verdadeira, mas não suficiente para permitir uma visão mais completa dos problemas em que estamos metidos. A tempestade financeira que avassala a vida do continente não vai passar dentro do actual sistema político. Teoricamente, temos um sistema representativo que alega para justificar a sua existência que dentro dele, todas as correntes de opinião são admitidas, e podem estar representadas. Ora a presente crise, entre outras coisas, está a demonstrar (para quem ainda não tinha reparado…) que essa alegação não é verdadeira.


Vejamos a questão por dois lados. Um, o lado de um país como a Grécia. Está mais que claro que os poderes europeus de todos os tipos (a expressão é suficientemente significativa, julga Diário de Bordo) estão a querer influenciar as opções políticas gregas, de modo a impedir que a coligação Syriza vença as eleições no dia 17 de Junho próximo.  No Eurointelligence da passada sexta-feira, dia 25 de Maio, refere-se que na revista L’Expansion um reputado economista francês terá opinado que, se o Syriza vencer as próximas eleições, a Europa deverá entregar a Grécia aos turcos. Semelhante disparate dá a ideia do nível a que chegaram a irresponsabilidade e o preconceito nos meios intelectuais e financeiros da Europa. Entretanto a miséria alastra no país, havendo organizações não-governamentais a afirmar que, só em Atenas, o número de pessoas sem domicílio fixo, subiu a 13.500, por haverem cada vez mais que já não conseguem pagar a renda da casa. Há estimativas de que esse número é muito maior. Quanto à dívida pública, há quem calcule que só estará controlada daqui a vinte anos, isto se o país não abrir falência.


Outro, o lado de um país como a Alemanha. Continua com vida económica próspera, aumentos de salários e procura diversificar os seus mercados. Terá sido o país do Ocidente que melhor enfrentou a vaga de desindustrialização. Há subidas de salários, o desemprego continua à volta dos seis por cento, entre os mais baixos da Europa. Consegue empréstimos praticamente à taxa zero. Esqueceram os apoios que tiveram quando foi a reunificação, os défices na execução orçamental acima dos três por cento no início do século. 79% dos alemães são contra a mutualização das dívidas dos vários estados, portanto contra os eurobonds. 60 % acha que a Grécia deveria sair da zona Euro.  É claro que acham que só devem permanecer na Europa se isso lhes for conveniente. No geral, nestas matérias, as posições da oposição social-democrata não diferem muito das de Angela Merkel e do seu partido.


O problema da União Europeia está mais na Alemanha do que nos chamados países periféricos. Estes não vão conseguir equilibrar os seus orçamentos, as suas finanças, sem disciplinar os bancos. Até porque os bancos alemães se contam entre os grandes credores. A Alemanha opor-se-á a medidas para taxar as transacções financeiras, a regulação de juros, spreads bancários, etc.  O BCE continuará a emprestar a juros baixos aos bancos privados, e estes a emprestar a juros altos ao Estado e organismos públicos. E as finanças públicas a cobrirem os colapsos das finanças privadas.


O problema da Europa em geral é um problema político. É um problema de democracia. A democracia política é pouca e a democracia económica nula. Evidentemente que é preciso aumentar a produção agrícola e industrial, melhorar as comunicações (não com tantas auto-estradas como em Portugal…) etc. Mas sobretudo aumentar a democracia. Não cometer erros graves, como afastar a Turquia da Europa, ou teimar em disparates como o escudo anto-míssil, muito bom para os fabricantes de material de guerra e para os EUA conseguirem manter um pé na Europa, numa nova versão do clássico conflito Leste-Oeste. As instituições europeias têm de ser modernizadas, altamente participadas, dependentes directamente de órgãos eleitos directamente pelos povos, e ocupadas por pessoas competentes, e não por tecnocratas ou arrivistas. Com essas condições, talvez se comece a descortinar outra Europa.

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