GIRO DO HORIZONTE -Estratégia da vacina – por Pedro de Pezarat Correia

 

 No meu GDH anterior de 21 de Maio, registava a minha preocupação com as ondas de choque resultantes da situação na Grécia, onde convergem todas as atenções nas vésperas de novas eleições. Na UE multiplicam-se sinais de pânico revelando que, se as eleições anteriores foram um sério sinal de aviso, as próximas poderão ser uma severa condenação que, claramente, mostra não saber como gerir. 
 

Para já de alguns sectores responsáveis acentuam-se os tiques que há muito conhecemos, de um entendimento condicionado da democracia, isto é, democracia sim mas…, quer dizer democracia dentro de certos limites, limites que não são os da democracia mas os de um determinado preconceito de democracia. A democracia é para ser jogada por parceiros “respeitáveis”, ou seja, os que aceitem jogar de acordo com as regras impostas pela direita, mas já se colocam fortes reservas se os eleitores, “irresponsavelmente”, pisarem o risco e derem maiorias a actores considerados fora do “arco do poder”. Neste sistema democrático a esquerda é aceite, mas como a “pena no chapéu” da democracia, que se exibe como prova da sua “tolerância” democrática, que até aceita parceiros incómodos mas, atenção, desde que com um estatuto marginal, desde que não ousem conquistar o poder.

Sei que podem confrontar-me com o exemplo de Hitler que também conquistou o poder eleitoralmente, mas creio que a invocação não colhe, pois então sabia-se que Hitler não estava disposto a respeitar a legitimidade democrática e houve cumplicidades várias para lhe abrir as portas do poder. Hoje o quadro é outro, porque não é a questão da liberdade formal e do paradigma político que está em causa, mas sim o problema da igualdade substantiva e do modelo económico e social.

E espero que me relevem o tom de suave ironia que coloco nestas palavras porque, de facto, ele encobre a indignação pelas indignas pressões a que os eleitores gregos vêm sendo sujeitos, as ameaças externas nem sequer diplomaticamente camufladas, os cenários de catástrofe com que são confrontados, os insultos obscenos que atingem a dignidade de um povo. Atenção, porque esta campanha não é dirigida apenas contra os gregos. A Grécia está a ser alvo, exactamente e agora no espaço e com as armas da UE, da “estratégia da vacina” que Henry Kissinger esteve preparado para aplicar a Portugal em 1974-1975 no espaço da OTAN. A fórmula era simples: deixar afundar Portugal para preservar o resto.

Isto parece-me tudo demasiado sinistro e o pântano da nossa política doméstica tem a ver com todo este ambiente. Entretanto aqueles que em Portugal, como na Grécia, de facto viveram acima das nossas possibilidades, continuam a beneficiar das regalias e mordomias que a passagem pelo poder ou por círculos com o poder relacionados, lhes conferiram.

Um amigo tão preocupado como eu acaba de me emprestar um livro, que ainda não pude ler – o que vou fazer muito brevemente –, mas de que desde já me permito citar o destaque que a editora portuguesa, a D. Quixote, seleccionou para a contra-capa. Diz assim: «Estão certos quando dizem que a maioria dos americanos gastou mais do que podia. Mas o remédio não é a austeridade. É sempre mais fácil ao peixe graúdo instruir os mais pequenos a comer menos, ao invés de partilhar a comida,» O autor chama-se Robert B. Reich, é professor de Políticas Públicas na Universidade da Califórnia e, entre várias passagens por governos nos EUA, foi secretário do Trabalho na Administração Clinton. O livro tem o título “After-shock” e o sub-título da tradução portuguesa é “A economia que se segue e o futuro da América”. O meu amigo recomendou-me vivamente a sua leitora, que não tardará e seguramente me motivará novas entradas no GDH. Para já deixo mais este aperitivo que a editora aproveitou para a badana da contra-capa: «[…] Robert B. Reich propõe uma causa diferente para o colapso e o perigoso caminho que se estende diante de nós. Defende que o verdadeiro problema é estrutural: reside na concentração crescente dos rendimentos e da riqueza no topo, e numa classe média que teve de se endividar profundamente para conservar um padrão de vida decente.»

Pois é, a análise aplica-se aos EUA onde a crise começou. Mas, pela amostra, parece que se nos aplica inteiramente.

 

28 de Maio de 2012
 

2 Comments

  1. Pezarat Correia chama muito bem a atenção para o “entendimento condicionado da democracia”, que se pretende impor por todos os meios, utilizando desbragadamente a comunicação social, com relevo para os comentadores de serviço, que nos querem fazer acreditar que a alternativa à miséria que nos querem impor (chamam-lhe austeridade) é mais miséria. Permito-me referir que o espectáculo vai ser reforçado com a proximidade das eleições presidenciais norte-americanas, que nos vão valer grande foguetório, mas de na maioria de pouca qualidade, infelizmente. Robert Reich será sem dúvida uma excepção. Deixo o link para um dos vários artigos dele já saídos no nosso blogue, pela mão do argonauta Júlio Marques Mota: http://aviagemdosargonautas.blogs.sapo.pt/405194.html .

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