A CANETA MÁGICA – A Democracia é inatingível? – por Carlos Loures

 

 

 

“A caneta mágica” será uma pequena crónica que estará aqui às sextas-feiras, entre as 19 e as 21 horas. Já expliquei que não estou a cometer o acto de suprema vaidade de considerar mágica a minha caneta – todas as canetas são mágicas, pois delas jorram palavras, ideias, imagens – a magia está na palavra. De todas as criações dos homens, a palavra é a mais importante. As mais sofisticadas invenções, da roda à fibra óptica, nada são quando comparadas com a palavra. Todas as canetas, e todos os teclados, contêm milhões de palavras – palavras que às vezes se combinam magicamente e formam ideias. Se isso não acontece, a culpa nunca é da caneta…

 

 

Hoje vou falar da democracia – da que temos e da que gostaríamos de ter. Gostaríamos? Quem? Será que todos os democratas têm o mesmo conceito de Democracia?

 

Talvez pareça um exagero comparar a democracia que temos ao fascismo que tivemos. De certo modo, é, de facto, um exagero. É, sobretudo, uma maneira provocatória de exprimir o sentimento de revolta que me assalta ao ver que este sistema democrático, teoricamente emanado da vontade popular, expresso no voto livre dos cidadãos, nos proporciona uma sociedade tão tacanha e uma classe política mais corrupta do que a do antigo regime salazarista. É um exagero assumido, com o qual procuro chamar a atenção para aquilo que na prática se manteve inalterável – a injustiça social, as grandes assimetrias culturais. A prevalência do ter sobre o ser.

 

Poderá dizer-se que a democracia começou mal, que já no seu berço da Antiga Grécia continha os estigmas que iria transportar ao longo de dois milénios e meio e que iriam chegar quase intactos até aos nossos dias. Com efeito, a democracia ateniense não abrangia nem os escravos nem as mulheres, não impondo também uma divisão equitativa da riqueza entre os cidadãos. No rescaldo da grande fogueira de 1789, a escravatura foi sendo abolida na maioria dos países europeus, embora quase nunca em obediência a um límpido sentimento de Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

 

As mulheres, ainda que, sobretudo nas últimas décadas, tenham avançado muito na sua luta de libertação, continuam, mesmo quando a letra da lei lhes confere todas os direitos e garantias outorgados aos cidadãos em geral, a ser consideradas cidadãs de segunda. Sobre a divisão da riqueza no ocidental paraíso das democracias parlamentares, é melhor nem falarmos. Democracia – autoridade do povo; de que povo? Nunca, em parte alguma, a não ser no território imaginário das utopias, se ouviu falar de democracia integral – sempre os governos supostamente democráticos se deixaram manchar por desigualdades sociais ou de género, por segregações étnicas, por marginalizações inomináveis. Quando mesmo, não serviram de capa ou ornamento a terríveis tiranias.

 

Será que a verdadeira democracia é inatingível?

 

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