Um Café na Internet

Apareceu uma vez numa ilha distante, mas onde se falava língua de gente, uma menina de cor morena, olhos chineses e os cabelos louros e ondulados.
– Nuá coatl! – disse ela pela primeira vez quando chegou à praia, agarrada a uma jangada destruída.
Todos correram para ela.
– Zaba atlé! – disse a menina.
– Você fala português – perguntaram os embaixadores português e brasileiro na ilha.
– Iocan – respondeu a menina.
– Parlez-vous français? – perguntou o embaixador francês na ilha.
– Iocan, iocan! – respondeu a menina.
– Do you speak English? – perguntou o embaixador inglês na ilha.
– Iocan xo malin – respondeu a menina quase chorando.
– Sprechen Sie Deutsch? – perguntou o cônsul alemão na ilha.
– Tzi nali – disse a menina; e caiu em prantos.
– Não fala língua de gente – concluiu o povo.
Mas recolheram a menina, trataram dela e deram-lhe de comer. E depois vieram os embaixadores da Espanha, do Japão, da China, da Rússia, da Roménia, da Índia, da Hungria, da Indochina, do Ceilão, da Birmânia, do Egipto, da Libéria e nenhum foi capaz de entendê-la. Então o rei da ilha ficou suspeitando da menina.
– Não gosto dela. Penso que é uma espiã de Ferdinando, o rei meu inimigo.
– Tem Vossa Majestade toda a razão – disseram os fidalgos da corte. – É, realmente, uma coisa muito estranha.
– Experimentem outra língua – ordenou El-rei. – Se ninguém conseguir entendê-la, que seja presa e condenada.
E vieram os embaixadores da Cochinchina, do Sudão, da Noruega, da Suécia, da Dinamarca, da Grécia, da Holanda, do Paquistão, da Jugoslávia, da Turquia, de Israel, do Nepal, do Butão. E a todos a menina respondia por entre lágrimas:
– Tzin nali, tzin nali!
– Tzin nali – disse o chefe da polícia. – Certamente quer dizer “não entendo”. Consultem os sábios e os professores e vejam a que língua pertencem estas palavras.
E os sábios e os professores foram consultados.
– Língua falada hoje em dia – disseram eles – não é com certeza. Também não é língua antiga, não é latim, nem grego, nem sumério, nem fenício, nem egípcio, nem aramaico, nem persa, nem cretense…
Entretanto o povo da ilha distante e que falava língua de gente, fazia amizade com a menina que tinha chegado do mar e que não falava língua de gente. Era uma menina simpática e amável.
– Tchô coatl anobi zubi – dizia ela com a sua vozinha meiga. E levava as mãos ao coração, depois aos lábios, parecendo então soprar um beijo sobre todos os seus amigos da ilha que falava língua de gente.
– Saudação simpática – disse um pescador.
E todos concordaram. E em breve, quando dois amigos da ilha que falava língua de gente se encontravam, em vez de apertarem as mãos, levavam as mãos ao coração, depois aos lábios, parecendo cada um soprar um beijo sobre o outro.
– A espiã começa a cativar o povo – disse El-rei. – Que seja presa.
E foi.
O povo ficou bravo.
– Prenderam a Tchô Coatl Anobi Zubi.
– Porquê?
– Ordem D’el-Rei.
– Não há direito.
– É um rei mau.
– Cruel.
– Gorducho.
– Careca.
– Na nossa ilha sempre recebemos bem os estrangeiros.
– De qualquer nação.
– Alemão ou russo.
– Inglês ou francês.
– Americano ou cubano.
– Judeu ou árabe.
– Ai-ai-ai- que safadeza real!
– Não há direito.
– Vamos ao palácio.
– Vamos, vamos! Todos ao palácio!
E marcharam todos para o palácio. El-rei ficou assustado.
– Cala, meu povo!
– Liberte Vossa Majestade a Tchô Coatl Anobi Zubi!
– Não posso. É uma feiticeira que iria devorar vocês todos. É no interesse de você que faço isso. Ninguém entende a língua dela.
El-rei não se atrevia falar em Ferdinando, porque esse era um rei de quem o povo gostava. Muita gente dizia que Ferdinando é que devia ser o rei da ilha que falava língua de gente. Por isso El-rei inventava coisas e não dizia o verdadeiro motivo da prisão.
– Mas, Majestade – perguntou um marinheiro que era muito viajado – ela é feiticeira só porque ninguém entende o que ela fala?
– Sim, é isso mesmo.
– Entonces, habla usted español?
– O quê? – perguntou El-rei.
– Meus patrícios – gritou o marinheiro – nós temos um rei que é um monstro, um feiticeiro e que logo-logo nos vai devorar, porque ele não entendeu o que eu falei em espanhol. O melhor é prendê-lo enquanto é tempo…
O povo riu da graça do marinheiro, cantou, entrou no palácio e prendeu El-rei. Tremendo, mandou El-rei que soltassem a menina que não falava língua de gente. E quando apareceu a Tchô Coatl Anobi Zubi, ela levou as mãos ao coração, depois aos lábio e soprou um beijo sobre todos os seus amigos, dizendo, comovida:
– Tchô Coatl Anobi Zubi!
– Tchô Coatl Anobi Zubi! – respondeu a multidão.
– Veja Vossa Alteza a Tchô Coatl Anobi Zubi! – disse o marinheiro quase chorando – Parece chinesa, mas não é chinesa, que eu viajei por todo o mundo e nunca vi chinesa de cabelos louros. Nem é portuguesa, nem brasileira, nem espanhola, canadense ou africana. É da terra dela e é quanto basta. E sempre vou dizendo que eu qualquer lugar do mundo uma menina tem sempre dois olhos, uma boca, dois braços, duas pernas, cabelos e um coração; só que às vezes não é tão doce como o de Tchô Coatl Anobi Zubi.
El-rei libertou a menina que não falava língua de gente e daí por diante começou a governar o seu povo com mais cuidado.
Quanto à Tchô Coatl Anobi Zubi a esta hora já deve ter aprendido a língua da ilha e contado qual o mistério do seu país e do seu povo que não falava língua de gente. Mas, vocês entendem, a ilha onde se fala língua de gente é muito longe e eu não tenho barco ou canoa para ir lá buscar informações.
( in O SINDICATO DOS BURROS)
Editora Giroflé – S. Paulo, 1963)
E quando apareceu a Tchô Coatl Anobi Zubi, ela levou as mãos ao coração, depois aos lábio e soprou um beijo sobre todos os seus amigos, dizendo, comovida: – Tchô Coatl Anobi Zubi!Obrigada, paiEthel Feldman