EM COMBATE – 76 – por José Brandão

OPERAÇÃO LUÉ – 1973

O Alferes Abrantes reuniu o seu Grupo de Combate umas horas antes de anoitecer no dia anterior à partida. Referiu os detalhes da Operação.

 

A Operação seria levada a cabo pelo 1.º e 4.ºs Grupos de Combate reforçados por uma secção de GE’s de Nambuangongo.

 

A Operação iria acontecer na região onde no mês anterior o Alferes Vinagreiro havia conduzido uma outra operação sem resultados positivos para as Nossas Tropas. A flagelação intensa das NT pelo fogo inimigo obrigou à nossa retirada. Tratava-se por isso de uma espécie de desforra.

 

Tinham recebido ordens expressas de atacar e destruir o acampamento inimigo que sabíamos existir naquela região, situada entre as povoações do Quixico e do Lué, a cerca de 15 km do Lué.

Para além das preocupações habituais, nomeadamente o bom estado Rádio Racal e do necessário equipamento de primeiros socorros, foi distribuído material de guerra adicional. Contra o que era habitual, levariam o morteiro de 60 mm e cada militar deveria levar consigo uma granada de morteiro. Não deixou de recomendar que seriam necessários todos os cuidados, pois que se trataria por certo de uma das mais perigosas operações que haviam sido concretizadas até ao momento pela Companhia de Caçadores 3482.

 

Apesar da experiência de todos os militares, quase todos eles com cerca de 18 meses de guerra, sentia-se em todos eles uma certa crispação. Por certo que a sua experiência e os seu nervos iriam ser postos à prova. Poucos dormiram durante a noite e certamente todos eles se recordaram da família, dos seus entes mais queridos, dos momentos felizes que viveram e que os desejavam ainda viver. A partida aconteceu de madrugada, de forma que estavam no local “de lançamento” ainda de noite.

 

O avanço iniciou-se com a secção de GE’s à frente, logo seguida pelo Alferes Abrantes e o seu Grupo de Combate – o 1.º. Seguia-se depois o 4.º Grupo de Combate. A aproximação foi feita com todos os cuidados. Seria aquela talvez a primeira vez que o faziam. Caminharam sempre pela orla das florestas e sempre que era necessário atravessar campos abertos, faziam-no praticamente rastejando. Ao anoitecer, chegaram a uma pequena colina, suficientemente arborizada para permitir que não fossem detectados, que o guia informou estar perto do acampamento. O guia em questão havia permanecido durante toda a sua vida naquele acampamento, tinha desertado e aceitou guiar as NT, a troco da promessa que trariam a sua família sã e salva. O Alferes resolveu passar a noite nessa colina.

 

Quando da aproximação foram inúmeros os sinais de que se tratava de uma região habitada por uma expensa população, comprovada pelas inúmeras “lavras” por onde iam passando. Depois de comerem a habitual ração do combate, procuram descansar um pouco.

 

O Alferes havia decidido que só atacariam de madrugada já que poderia haver feridos e, durante a noite, a Força Aérea não fazia evacuações…

 

O Furriel Almeida sentiu necessidade de cagar. Depois de falar com o Alferes lá se afastou um pouco do perímetro do acampamento improvisado, mas o receio do perigo de que todos tinham consciência, não permitiu que ele se afastasse muito dos restantes camaradas, de tal forma que o Cabo Massena sorrindo comentou para o Alferes “meu Alferes, a merda do Furriel cheira mesmo mal”…

 

Ao contrário do que normalmente acontecia noutras operações, o Alferes acabou mesmo por adormecer. Foi acordado pelo Chefe de Secção dos GE’s que o chamou suavemente: “Meu Alferes está na hora. Temos de ir”.

 

O Alferes procurou ver as horas e viu que pouco mais passava da meia-noite. A primeira reacção foi de que era cedo, que só queria atacar ao amanhecer. O Jeremias, assim se chamava o Chefe de secção, voltou a recomendar que avançassem já porque não se sabia bem, quanto tempo demorariam.

 

 

 

Iniciaram a marcha por volta da uma hora da manhã. Foram atravessando “lavras” e pequenos ribeiros, sem que se sentisse o mais ligeiro sinal de “guerrilheiros”. A travessia dos riachos, levantava algumas dificuldades ao alferes cuja altura dificultava o equilíbrio, principalmente quando tinha de utilizar árvores caídas para atravessar.

 

Já muito perto do acampamento, teve a pouca sorte de cair mesmo de uma árvore que tentava utilizar com ponte. A queda foi de tal forma desastrosa que o Jeremias sussurrou “filho da puta, não faz barulho”. Penso que nunca ninguém soube que tinha sido o Alferes a cair…

 

O Alferes, sempre com a mão no Guia, não fosse ele arrepender-se e fugir, ia ouvindo o que ele dizia: Um espaço aberto era a Igreja. “Alferes, aqui é a escola”. Tratava-se de um espaço aberto com árvores colocadas paralelamente onde os alunos se sentavam. À frente havia uma espécie de mesa construída por ramos de árvores.

 

Nesta altura, deveriam ser quatro horas da manhã, o Alferes sentiu uma espécie de alívio. Não se sentia o mais pequeno ruído. Nem de cães a ladrar nem de galos a cantar, o que acontecia sempre noutras operações que haviam realizado. Talvez “eles” tivessem saído dali. Talvez tivessem abandonado o acampamento…”

 

O Alferes tinha decidido que só haveria tiros se fosse necessário. Tinha combinado com o Jeremias que iriam de cubata em cubata, recolheriam as populações, começando pelos familiares do Guia. Procurariam depois saber onde se encontravam os guerrilheiros com armas para que fossem “neutralizados”… Acontece que uma lanterna que o Alferes havia levado para facilitar a aproximação, fundiu, o que impediu que esse objectivo fosse levado a cabo. Por outro lado, aumentou o receio de que, na escuridão quase total provocada pelas árvores enormes que impediam que o acampamento fosse visto nas observações aéreas que regularmente faziam, fizessem despoletar qualquer mina anti-pessoal colocada nos trilhos.

 

Já próximo do acampamento o Alferes decidiu que o assalto seria feito pela Secção de GE’s e pelo 4.º Grupo. O

1.º Grupo ficaria a guardar o equipamento não utilizado no assalto e faria a protecção à retaguarda. Aqui ficaria também o morteiro sessenta. Ele próprio comandaria o assalto.

 

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