Depois de 2008 os mesmos escândalos, a mesma incapacidade

de resposta, a mesma preferência pelo maior local dos crimes, a City de Londres.

Selecção, tradução e apresentação por Júlio Marques Mota

 

Crónicas sobre quem até os cães da minha infância seria capaz de  devorar

 

 

Conheça um pouco da história. O banco JP MORGAN perdeu recentemente muito dinheiro, muito mesmo. Estamos em plena crise, financeira primeiro, da dívida pública depois, e agora da dívida pública e financeira também. Entretanto há quem jogue ao poker, que jogue em cada lance dezenas de milhares de milhões, até à centena mesma, centena de milhares de milhões, mesmo que em cada lance possa ser um país que está sair jogado e esse país possa ser o seu. E nestes números, de muitos zeros para a minha cabeça,  não há engano, foram aplicados  em apostas, aplicações de investimento dirão  os   analistas,  apostas puras direi eu que não percebo nada disto. Conhece  as consequências, creio, bem espelhadas por um ditado africano que nos diz que quando dois elefantes combatem quem sai pisado é a relva.  Conheça um pouco como se combate, porque a relva somos nós, conhece as consequências das apostas, conhece-as diariamente, e conheça então o  que está por detrás destas apostas, conheça um pouco a história de uma das reencarnações de Jesus, capazes de caminhar  sobre a água,  mas mais uma vez quem se afoga somos nós.  

 

Pelo meio destes textos há um avivar de memória de outras reencarnações de Jesus e em que cada reencarnação terá levado a um afogamento por mergulho, mas  do respectivo banco, claro.

 

8. JP Morgan e o risco sistémico


James Hamilton

 

Durante  algum tempo, os observadores  financeiros tinham discutido sobre as posições em produtos derivados na base de índices de títulos acumulados por um trader conhecido como a Baleia de Londres, sabendo-se agora que a Baleia de Londres  é   Bruno Iksil, operador  a trabalhar  para o JP Morgan Chase. Na quinta-feira soube-se que JP Morgan  tinha perdido mais de  2 mil milhões de dólares  no espaço de duas semanas, como resultado das suas actividades especulativas. Na sexta-feira o título caiu 9,3%, e o valor da capitalização do banco descia assim de 14,4 mil milhões de dólares.


Como é possível perder tanto dinheiro e tão rapidamente? Uma resposta rápida é a  alavancagem. Embora os detalhes não sejam conhecidos, um cenário provável é o de que envolve produtos derivados construídos  a partir das componentes de maior risco de títulos de grandes empresas europeias. Com a utilização de derivados, podem-se  comprar ou vender títulos ou conjuntos de títulos que não se possuem,  envolvendo promessas potenciais de darem muito mais dinheiro do que o que se tem. Se o mercado se movimenta no sentido oposto ao da aposta feita pelo operador este vai ter que entregar valores substanciais em dinheiro “à vista” para se libertar do compromisso assumido de entregar os títulos e esse processo parece ter sido o que produziu estas perdas brutais e de forma tão repentina. O valor do nocional a que a Baleia de Londres  ficou exposta sobre índices de derivados terá sido de 100 mil milhões em Abril.


O valor total de referência, o nocional, a que JPMorgan ficou exposto com todos os seus produtos derivados é estimado  em 79 milhões de milhões de dólares. Isso é “milhão de milhão” com um “M2“, de uma empresa que tem um valor patrimonial de 140 mil milhões de dólares, e que estão ainda rapidamente a decrescer.


 

Paul Krugman sugere que no caso das posições curtas assumidas pela Baleia de Londres, JP Morgan “estava exactamente a envolver-se em truques financeiros de pouco ou nenhum valor social”. Poder-se-ia argumentar que o papel da alavancagem nos investimentos em (apostas em) derivados é o de ajudar os operadores, que realmente conhecem o valor dos activos subjacentes, a conduzir o mercado para se alcançar esse valor por eles considerado como correcto. Mas se os investidores actuam com o dinheiro e por conta de terceiros, em que o negócio consiste em reter apenas os ganhos enquanto outros ficam com as perdas, a alavancagem não se afigura do interesse público.

 

Em todo o caso, quer-se confrontar  os potenciais ganhos sociais  com tais tomadas de posição em derivados contra os seus possíveis custos sociais. JP Morgan é “too big to fail”? Acho que sim. Um artigo recente de Duffie Darrell, professor em Stanford destaca uma falha ainda não ultrapassada no sistema financeiro dos EUA centrada no mercado repo a três contrapartes. Este é um mecanismo fundamental onde as instituições com recursos para poderem aplicar a liquidez disponível por um dia, por uma noite,  tais como os fundos do mercado monetário,  disponibilizam fundos para aqueles com necessidades de empréstimos de curto prazo, principalmente bancos de investimento  que estão preparados para entregar títulos como garantia, como colateral,  como garantia para um empréstimo a  um dia que seja. Diariamente são transaccionados  qualquer coisa  como 100 mil milhões de dólares em empréstimos de curto-prazo que têm como intermediários dois bancos de compensação (JP Morgan Chase e Bank of New York Mellon). Os  bancos de investimento  depositam  títulos como garantia junto do banco de compensação, em troca de um empréstimo por um dia, cujos fundos o banco de compensação recebe, por sua vez, do derradeiro emprestador, mais tarde naquele mesmo dia.


Neste mercado podemos pois distinguir as operações repo das operações reverso repo. Quanto às primeiras indicadas acima, estas significam que o operador coloca títulos de garantia e levanta liquidez com a obrigação de em data pré-fixada levantar os respectivos títulos contra entrega do dinheiro anteriormente levantado e majorado pela taxa da sua utilização, a taxa repo. É pois  a via de financiamento a que se alude acima. Inversamente nas operações reverso repo. O operador levanta títulos com os quais  e contra os quais poderá especular  e entrega como colateral liquidez com a obrigação de data previamente fixada entregar os títulos e receber a contrapartida em valor majorada pela taxa de juro associada à operação reverso repo. É por esta via, pelas operações reverso repo que se faz o financiamento do banco a servir de câmara de compensação.


É assim evidente que uma operação repo é equivalente a uma venda à vista de títulos com uma operação de compra dos mesmos títulos a prazo, a um valor pré-fixado, portanto. Inversamente uma operação reverso repo é uma compra de títulos no mercado á vista ligada com um contrato de venda a prazo dos mesmos títulos, em que o valor da venda é previamente fixado.   

 

Duffie acredita que o sistema é inerentemente instável, uma vez que os bancos intervenientes a financiarem-se  dependem fundamentalmente da capacidade e da disponibilidade dos bancos de compensação fornecerem o financiamento a curto prazo para cada novo dia:

 

 

Uma instituição ou operador cuja solvência ou liquidez se torne problemática pode não ser capaz de encontrar os financiadores que estejam disponíveis para fazer a renovação, o roll over,  do empréstimo  e numa  quantidade suficiente das suas operações repo. Nesse caso, as preocupações sobre a liquidez de um tomador de fundos, o devedor, podem-se tornar auto-realizáveis. O tomador de fundos poderá entrar em incumprimento ou os seus valores mobiliários poderão ser liquidados rapidamente, ou ambas as coisas…

 

 

A venda relâmpago dos títulos de um tomador de fundos neste mercado provocada pela sua incapacidade de conseguir a renovação do empréstimo repo em dado dia, poderá  temporariamente conduzir à baixa  dos preços de algumas das classes de títulos afectadas, particularmente daqueles títulos a que falta  transparência ou cuja notação depende da estabilidade do sector financeiro. Isto pode ter efeitos colaterais ou de repercussão sobre outros actores ou títulos presentes nestes mercados e até mesmo de forma muito ampla.

 

 

Entre o desenrolar das operações repo do dia anterior e as operações de  renovação, roll over, do dia seguinte, os fundos do mercado monetário e outros investidores em dinheiro líquido estão presentes a quererem efectuar depósitos à ordem no banco de compensação. Em cenários extremos e na situação de ausência de transparência suficiente, os investidores em dinheiro líquido podem ficar preocupados se o banco de compensação  poderá ser  desestabilizado pelas exposição em que pode ficar devido aos  empréstimos garantidos concedidos a um tomador de fundos ao longo do dia. A corrida aos depósitos ao longo do dia poderia realmente e no pior dos casos desestabilizar as contas, poderia quebrar com os  equilíbrios de um banco de compensação.

 

 

Vejamos quais as quais as recomendações de  Duffie para saber como se poderia tornar o sistema de compensação a três contrapartes  mais estável:

 

 

Dada a importância sistémica da câmara de compensação a três contrapartes como agentes e dados os seus elevados custos fixos e as suas economias de escala adicionais, os serviços de compensação neste mercado para os operadores nos Estados Unidos e para os investidores poderão provavelmente operar através de um organismo público próprio. Embora isto possa provavelmente aumentar os custos para os participantes deste  mercado, poderia porém permitir o investimento em tecnologias mais avançadas  utilizadas nas câmaras de compensação e em organização, em pessoal,  quer de quadros operacionais quer de especialistas em matérias financeiras, permitindo-se  uma maior resistência do mercado repo em face de choques financeiros, tais como uma situação de incumprimento de um grande operador. O risco moral associado a concessão de empréstimos em último recurso feita por um organismo público é muito reduzido relativamente à situação de estar em seu lugar uma instituição financeira privada com uma ampla gama de actividades de risco.

 

Se nada mais houver, as notícias desta semana devem-nos fazer lembrar que é preciso muito para garantir a estabilidade financeira e para garantir também que os incentivos dos participantes privados estejam alinhados com os mais importantes interesses públicos…

 

James Hamilton 13 Maio de  2012

 

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