DIÁRIO DE BORDO, 2 de Junho de 2012

 

 

Habitualmente, os partidos da direita e do centro, que controlam a maior parte da Europa (praticamente a totalidade) incluem na sua propaganda contra a esquerda o libelo de antieuropeísmo. Com a celebração dos chamados acordos com a troika, este libelo reforçou-se, procurando confundir os justificados protestos contra estes com uma qualquer repugnância anti-europeia. Esta mistura não tem razão de ser: se é verdade que muita gente à esquerda vê com desconfiança a integração, outros, como o nosso saudoso Miguel Portas, assumiam abertamente o europeísmo, mas um europeísmo das classes trabalhadoras e dos povos europeus em geral, não uma integração europeia a fazer sob a égide do capital, com prioridade na salvaguarda da banca (e dos banqueiros, claro!) e dos lucros da finança.


A campanha contra o Syriza (que também se assume como europeísta e partidário da integração na zona euro) usa abertamente esta confusão. Veremos como vai ser nos outros países. Aliás, até com François Hollande (que tem pouco de esquerda e de esquerdista nada, para referir uma terminologia muito batida) quiseram fazer esta confusão, extremamente redutora e que visa impedir a discussão séria dos problemas.


É também interessante observar o que se passa na direita, onde há muita gente que se declara contra a integração europeia, invocando valores nacionalistas e mesmo racistas. A este respeito, Le Monde do dia 30 de Maio inclui um curioso artigo de Magali Balent, investigadora da Fundação Schuman, Le rejet de l’UE ne peut être généralisé à l’ensemble du nationalisme (A rejeição da UE não pode ser generalizada ao conjunto do nacionalismo). Em poucas palavras, esta senhora debruça-se sobre a situação que vigora na Europa Central e nos Balcãs, e procura pôr de um lado partidos como o grego Aurora Dourada e o Jobbik húngaro, e do outro políticos como Viktor Orban, primeiro-ministro húngaro, e Tomislav Nikolic, recém-eleito presidente sérvio. Os primeiros são classificados como eurofóbicos e racistas, aos segundos atribui-lhes uma preocupação de defesa da integridade territorial e de recusa a directivas impostas do exterior.  Estes últimos assumem-se como pró-europeus e partidários de valores democráticos e laicos, das liberdades e dos direitos fundamentais do indivíduo, segundo a senhora Magali Balent, que de modo não muito claro, procura fazer uma comparação com a Frente Nacional  francesa, e o partido da liberdade holandês.


A Fundação Robert Schuman é um think tank da direita católica. Robert Schuman foi o primeiro presidente do parlamento europeu. Deste artigo ressaltam as óbvias preocupações da direita europeia de alargar as suas alianças a leste e aos Balcãs. Há vários pontos curiosos, como as escassas referências à crise que assola a Europa, omitindo os ataques aos direitos básicos das pessoas que estão a ocorrer, assim como os reflexos evidentes na política europeia e nas políticas nacionais. Não é difícil argumentar que a diferenciação que a autora estabelece entre os partidos assumidamente nazis e as orientações pró-europeias de Orban e Nikolic está assente em situações episódicas, que em breve poderão dar lugar a outras mais virulentas. A rejeição dos imigrantes, os conflitos étnicos, as dificuldades em separar religião e política, entre outras questões, poderão fazer vir à tona, em breve, outras atitudes, e não só na Europa Central e nos Balcãs, se os valores de esquerda não conseguirem vencer o cerco. 

Leave a Reply