EM COMBATE – 77 – por José Brandão

A aproximação continuou cada vez com cuidados acrescidos e com a Alferes cada vez mais esperançado que o acampamento estivesse abandonado. Passados uns momentos começaram a ouvir pessoas a tossir. “Estamos fudidos” desabafou o Alferes “eles estão mesmo cá”. As noites eram frias o que conjugado com a ausência de medicamentos, fazia com que houvesse pessoas doentes e que tossiam com aquele som cavernoso, típico das pessoas que sofrem de tuberculose.

 

Quase imediatamente, começaram os tiros, primeiro das pistolas-metralhadoras utilizadas pelos guerrilheiros caracterizadas por terem um som mais seco e breve e depois a resposta principalmente dos GE’s e de parte dos camaradas do Grupo de Combate com as suas FN e G3.

 

O que se seguiu foi indescritível. Nunca nenhum deles tinha ouvido um tão intenso clamor quase ensurdecedor, provocado principalmente pelos gritos lancinantes de mulheres e de crianças gritando ao fugir. O Alferes viu um tanto admirado que se encontrava praticamente no meio do acampamento.

 

O soldado Sequeira que seguia imediatamente atrás do Aferes, disparou os cinco carregadores da G3 que levava consigo ou seja disparou cerca de cem tiros. Os carregadores por lá ficaram já que só trouxe consigo o que levava na arma…

 

O pessoal do 1.º Grupo, verificando que o Grupo de Assalto estava sob fogo inimigo, começou a bombardear a zona com o morteiro sessenta. As granadas caíam próximo do Grupo de Assalto com o estrondo característico da deflagração das granadas quando rebentam próximas e aquelas caíam excessivamente perto, embora na direcção para onde os ocupantes do acampamento haviam fugido. Na fuga passaram muito perto do Furriel Santos que não abriu fogo, com receio de atingir os camaradas do Grupo de Assalto.

 

O receio de serem atingidos pelas granadas de morteiro que continuavam a cair, fez com que o Alferes decidisse a retirada imediata. Também já tinham a prova de que lá tinham ido… e a prova eram 5 crianças, extremamente lindas embora com sinais de subnutrição e dois adultos familiares do Guia.

 

Antes de retirarem lançaram fogo a várias cubatas. As crianças ou estavam nuas ou cobertas com uma espécie de tecido fabricado com pasta de caule de embondeiro que, depois de comprimida, permitia fazer aquela espécie de tecido.

 

A rapidez da retirada fez com que os soldados se revezassem no transporte das crianças. O Soldado Vaz, apesar do seu aspecto frágil, transportou sempre durante a retirada a mesma criança, dando sinais de um estoicismo invulgar.

 

Chegaram ao lugar onde deviam ser recolhidas numas escassas três horas, percorrendo o que antes havia demorado mais de um dia a fazer.

 

Chegados ao local de recolha, o esgotamento era total. Cada um deles procurou uma árvore à sombra da qual se deitou, procurando recuperar um pouco das forças gastas durante aqueles dois dias intermináveis.

As viaturas que fariam a recolha, chegaram cerca de uma hora depois. Juntamente com as viaturas militares vinha uma camioneta conduzida pela Capataz da Fazenda do Quixico. Foram todos acolhidos como heróis. O Alferes perguntou aos furriéis que o acompanharam na operação, se o pessoal estava todo e tendo obtido a confirmação, ordenou o regresso ao quartel.

 

O Alferes Abrantes já no Quixico, tinha feito a barba e tomado banho, quando o Cabo que servia na messe dos Oficiais o abordou aos gritos “meu Alferes” o “Periquito” apareceu no Lué…”. O Periquito era um dos padeiros da Companhia e que também havia participado na Operação.

 

O Periquito contou depois o que lhe tinha acontecido: “Meu Alferes, quando chegamos ao lugar da recolha, deitei-me à sombra de um espinheiro e adormeci”. “Quando acordei e vi que estava sozinho, olhei os sinais das rodas dos carros e comecei a correr no mesmo sentido”. “Tinha corrido cerca de três km, quando vi que na picada e em sentido contrário ao meu, vinha uma manada de elefantes”. “Apanhei cá um cagaço que larguei tudo menos a arma e comecei a correr em sentido contrário”.

 

Foi a sua sorte, se não tivesse acontecido isso, teria de ter corrido 30 km até atingir o Quixico. Assim bastou-lhe correr 15 km para chegar ao Lué.

 

As crianças e adultos recuperados foram instalados na povoação de Nambuangongo. Uma das crianças era filha de um conhecido Chefe da Guerrilha no Norte de Angola.

 

Umas semanas depois o Alferes e o resto da Companhia foram transferidos para o Sul de Angola para o merecido descanso, longe da guerrilha que caracterizava a zona dos Dembos.

 

Nota: Trata-se da descrição exacta do que se passou numa operação realizada algures na Região de Nambuangongo, pelos 1º e 4º grupos de Combate da CCaç 3482. A operação foi comandada pelos Alferes Abrantes e nela participaram também o Furriel Santos, o Furriel Almeida e o Furriel Soares.

 

http://c-cac-3482.blogspot.com/

 

 

A seguir – Batalhão de Caçadores 4212

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