Em tempos escrevi um pequeno texto sobre os tempos da minha infância ou mais precisamente sobre os cães dessa infância que desde há muito tempo já se foi. Desses tempos perdidos na memória de alguém que recusa em assumir-se como velho, porque se recusa em abdicar da sua capacidade de protestar, ainda me lembro da minha mãe e das suas lágrimas a dizer que assim não, a dizer ao meu pai que ou o cão ou o porco. Naturalmente assim, porque com o cão a comer daquela maneira não havia comida para o porco e não havendo porco não haveria comida para ninguém. Tudo isto porque um nosso cão caça e de guarda comia tudo. Mas no espaço dos donos só comia o que lhe era dado, nada mais. A isso se habituou e com isso vivia muito bem. Outra coisa eram as escapadelas que com um basset alemão faziam sozinhos à caça. Caçavam e repartiam sozinhos, num mundo em que eles, alí no mato, faziam as leis da repartição do que tinham de disponível, como agora, leis correspondentes fazem os cães das novas caçadas.
Hoje, francamente tenho saudades desse cão que tudo comia, mas nos limites do meio em que vivia só comia o que cada um de nós lhe daria. E no limite das suas possibilidades estava sempre ao nosso serviço, como cão de guarda excepcional, como de caça melhor ainda. Afirme-se e reafirme-se tal facto.
A longa peça que se segue fala muito de outros cães, cães que se alimentam à escala do mundo e tem uma voragem bem superior à do meu cão de nome foguete, de várias cores bem malhado. Estes cães grandes, tem outros bem menores, com quem partilham as presas alcançadas, e as crónicas da nossa imprensa disso agora bem falam, quando escrevem ou falam a propósito dos caminhos que as malas de dinheiro seguiam, com destino à Suiça, à UBS ou a outros bancos de menor volume mas de ganância relativamente igual. Tratava-se de malas de Lisboa partidas e a Genebra ou a Zurique chegadas. O jornal Público, o Expresso é do que falam, com esquemas bem elucidativos. Dinheiro português, dinheiro que agora estamos nós a pagar, é tudo bem claro.
E esta peça fala não do mato que circunda a minha aldeia, Fratel, fala de um mundo transformado em terreno de caça para quem tem uma ganância sem limites e uma desonestidade com a mesma desmedida, ou seja, sem dimensão calculável. De um Presidente da República Suíça, aos Presidentes reguladores, ao Presidente do Banco Nacional da Suíça, ao Presidente da UBS ou de outros grandes bancos, são os grandes senhores a substituir, e a que nível, meu Deus, o meu foguete rápido a apanhar a perdiz que caia, a lebre que corria, o coelho que de ferido cansado se esvaía, fala-se aqui dos seus substitutos modernos que estes caçam muitos milhões, milhares de milhões, mesmo. No final do primeiro artigo têm uma resenha simples do que foram os actores desta peça e pela ordem de entrada como se de uma peça de teatro se tratasse, de um drama ou de uma tragédia. E na verdade, com a sua leitura é essa a sensação que se tem, desta peça onde as personagens têm um objectivo, salvaguardar os seus milhões, os seus apenas, e mais ainda, tem como preocupação máxima garantirem a capacidade de voltarem a ganhar outros milhões, com um novo modelo, no amanhã que se segue, e o modelo tem um nome, um nome que há anos andava nas bocas dos jovens e nas mãos daqueles que eram habilidosos, Rubik, o seu nome de então. Lembram-se do cubo mágico? Rubik é também o nome do modelo de agora a utilizar pela banca suíça, mas com este nome representa-se uma nova função: a organização sistemática do roubo organizado e legalizado sem que ninguém, possa saír identificado. Uma obra-prima para os ladrões dos tempos modernos, dos nossos tempos de crise. A peça ilustra-o, com a organização a ser inicialmente dinamizada pela Alemanha, pela Inglaterra e de todos os que se lhe querem seguir e a ficar a cargo da Suíça.
E nesta peça, os novos cães não comem a perdiz que caía, a lebre que corria, o coelho que se esvaía, não, estes novos cães comem países inteiros, comem o seu presente, destroem o seu passado e fingem ignorar que nos roubam o seu futuro, à escala de cada região e à escala do mundo, também. Aqui, não se caça como o meu pai, com uma espingarda de um ou dois canos, de um ou dois tiros, aqui a pólvora é seca, os tiros não se ouvem, e os grãos de chumbo são virtuais e medem-se em dezenas de milhões ou de milhares de milhões de dólares apostados nos maiores centros de tiro do mundo: as praças financeiras sejam elas Zurique, Londres, Nova Iorque ou outras, tanto se nos faz. É de tudo isto que vamos falar. E de entre os nomes de muitos grandes caçadores, os caçadores da primeira linha, referenciemos alguns como JPMorgan e as protecções contra o risco por conta própria que dão prejuízo de milhares de milhões como aconteceu recentemente, um mistério portanto, como Morgan Stanley e o que as autoridades nos dirão sobre a emissão Facebook, sobre a informação que circulou para os sofisticados investidores institucionais e não para outros, os para os pequenos investidores (como disse um analista: Na pior das hipóteses, é uma violação das leis sobre os valores mobiliários – At worst, it’s a violation of securities laws) quanto ao valor estimado para os títulos, como Goldman Sachs e o que sabemos dos seus métodos no mercado subprime ou quanto às suas isenções especiais na bolsa de mercadorias especial e secretamente concedidas, enfim, como UBS e os gangs organizados de gente altamente treinada, mais do que o meu cão foguete de nome, como agentes feeders funds à caça de milhões nos Estados Unidos e algures que assim sob a sua organização fugiam ao fisco, fugiam aos impostos e não podemos esquecer como se diz num dos artigos que os impostos são o preço a pagar para se ter uma sociedade civilizada, organizada.
(continua)