NINHO DE CORVOS NO VATICANO -3- por Pablo Ordaz

(Conclusão)

 

Mesmo antes do escândalo, era já patente o peso excessivo da Igreja italiana no Vaticano. Praticamente todos os cargos de responsabilidade relacionados com as finanças estão em mãos italianas, embora sejam os norte-americanos e os alemães os maiores contribuintes. Do mesmo modo, embora a América, a Ásia e a África constituam já mais o presente do que o futuro da Igreja católica, no último consistório, celebrado em 18 de Fevereiro  passado, não foi nomeado nenhum cardeal  africano e só um latino-americano o foi. Há alguns dias, um alto representante do Vaticano manifestava a sua contrariedade: “Na América Latina estão já 47% dos católicos do mundo. As Igrejas estão cheias enquanto na Europa estão vazías, mas continua a custar muito ao Vaticano nomear cardeais que não sejam europeus…”. Miloslav Vlk, cardeal de Praga e porta-voz da Igreja Internacional, di-lo sem peias: “Talvez tenhamos perdido o impulso que  Paulo VI e João Paulo II nos deram e que Bento XVI pôs de parte: uma Igreja que se abra ao mundo, um colégio cardinalício e uma Cúria mais internacional e portanto mais capaz de escutar as vozes e de recolher a energia que chega também de longe”.

 

A detenção do mordomo verifica-se umas horas depois do despedimento fulminante de Ettore Gotti Tedeschi, presidente do Instituto para as Obras da Religião (IOR), conhecido como o Banco Vaticano. A primeira explicação fala de “irregularidades na sua gestão”, mas o tom vai depois subindo até chegar quase ao linchamento. A primeira explicação oficial refere-se ao facto de o economista, de 67 años, “não ter desenvolvido funções de primeira importância para o seu cargo”. A verdade é que a Banca do Vaticano está a ser alvo. desde o passado mês de Setembro, de uma investigação judicial por alegada violação das normas contra o branquamento de capitais.. Além de Gotti Tedeschi —presidente também do Santander Consumer Bank, a filial italiana do Banco Santander—, a auditoria investiga o director geral do IOR, Paolo Cipriani. O director saneado mostra-se enfurecido nas suas declarações à imprensa: “Prefiro não falar. Se o fizesse só diría palavras feias. Debato-me entre a ânsia de explicar a verdade e o não querer perturbar o Santo Padre com tais explicações”. Tedeschi é dos poucos que guarda fidelidade ao Papa. De facto foi o próprio Joseph Ratzinger que o recomendou a Bertone. Eram mais do que velhos amigos. O economista, membro do Opus Dei, colaborara com o Papa na encíclica Caritas in veritate. A colaboração que agora lhe pedia era mais terreal e, portanto, mais difícil: resgatar das mãos do demónio as contas de Deus. Limpar o Banco do Vaticano. Bertone e Tedeschi entram em rota de colisão. Consta que já há tempos que não se falam. O economista amigo do Papa ameaça demitir-se. O secretário de Estado adianta-se-lhe. Despede-o. mas não se contenta com isso. Em plena guerra de revelações, aparece um documento onde  o ex presidente é desancado…

 

Como é habitual nos assuntos que concernem ao Vaticano, nunca se saberá quem é o corvo vestido de púrpura.

O assunto passou para segundo plano. Toda a atenção se concentra agora na sorte de Paolo Gabriele. A primeira pergunta é: por que motivo o fez? A segunda: para quem? Roma está ocupada por uma bando de corvos anónimos que se dizem companheiros de Paoletto, uma espécie de cruzada contra os assuntos turvos do Vaticano. “Paoletto não está só”, asseguram, “somos muitos, inclusivamente muito acima dele. Queremos defender al Papa, denunciar a corrupção, fazer a limpeza no Vaticano”. As vozes anónimas confirmam o que já se sabia — o Vaticano é desde há meses um campo de batalha entre diversas facções que lutam pelo poder —, porém as suas teóricas intenções são difíceis de acreditar. Tão incríveis como alguns dos pormenores da operação: à frente estaria uma mulher e a tropa estaria formada por uma pleiade de vingadores, desde cardeais a mordomos, incluindo um pirata informático. O seu principal objectivo: proteger o Papa de Tarcisio Bertone.

Após muitos dias de silêncio, o Papa fala. Mas não diz nada. Remonta a vinte atrás para recordar que Jesss também foi traído. Acusa os meios de comunicação de exagerar sobre a dimensão do problema e confirma todos os seus colaboradores —Tarcisio Bertone incluído— nos seus cargos. As muralhas do Vaticano fecham-se ainda mais. Tudo está envolto no mistério sempre presente nas histórias religiosas e laicas de Roma. Paoletto terá já falado? Terá dito se roubou a correspondência do Papa por sua conta ou por encomenda? Talvez seja o padre George, sentado junto do  seu fax, o único que sabe a verdade, talvez o único que cumpre o seu dever de proteger o Papa. Ou talvez não. Se nalgum ponto estão de acordo os descrentes de uma e outra margem do Tibre é em que, como é habitual nos assuntos aue dizem respeito ao Vaticano, nunca se virá a saber  a verdade. Nunca se conhecerá o verdadeiro chefe de Paolo Gabriele, a identidade do corvo vestido de púrpura. A Igreja católica, que necessita da fé para continuar a existir, continua a sentir-se cómoda na escuridão. “Já tivemos esse problema no século XIII…”. Na sua primeira encíclica —Deus caritas est (2005) Bento XVI citava uma frase de Santo Agostinho que agora soa como profética:

—”Sem justiça, o que são os reinos senão um grande bando de ladrões?”

 

 

Leave a Reply