Uma série, Uma viagem ao mundo da alta finança. Introdução. Por Júlio Marques Mota.

Das caçadas da minha infância às caçadas do século XXI

 

(conclusão)

 

Estes são alguns dos grandes agentes dos mercados de que se fazem agora depender o destino de países inteiros e a quem o nosso Gaspar ou o nosso Passos Coelho com tanto prazer se querem submeter. No segundo grupo de caçadores, desta grande caçada em linha temos genericamente os governos ou Instituições que ao serviço dos caçadores da primeira linha se colocam. Nesta segunda linha destacam-se governos como o de Sarkozy, Merkel, David Cameron. A primeira figura pelo voto foi vencido, pela força do povo assim está já caído mas ainda na queda se esbracejavam os seus deputados a quererem o acordo com a Suíça para ilibar definitivamente os que fugiam ao fisco. Caiu e caíram, antes de o poderem fazer. A segunda figura vive emparedada por uma cultura luterana e pelos homens do Bundesbank que terão possivelmente uma agenda própria, a de restaurar o Deutsche Mark e a soberania monetária alemã. Da Merkel e da sua política só neste quadro de restauração e de “renovação” do marco imperial é que se pode entender a sua política do não sucessivo pronunciado contra a Europa. Com efeito, é  isso o que neste contexto consigo entender, e é na base desta agenda e  na linha de Martin Wolf também,  que se pode compreender  o ponto de vista do governo alemão e das autoridades monetárias alemãs: não aos eurobonds para a zona euro; não ao aumento de fundos disponíveis para o Mecanismo Europeu de Estabilidade (actualmente €500 mil milhões); não ao   apoio comum para o sistema bancário; não a qualquer desvio da austeridade fiscal, inclusive na própria Alemanha; não a qualquer financiamento monetário dos governos; não a qualquer flexibilização da política monetária da zona euro; e não também a nenhum poderoso boom de crédito  na Alemanha. O país credor, em cujas mãos está a solução para a saída da crise, está a dizer “nein” pelo menos sete vezes.” È o que sabe dizer e fazer. Em nome de quê, com que objectivo? Só vemos a hipótese da agenda dos homens fanáticos do Bundesbank  acima enunciada. Só assim se pode entender a política alemã. Os mercados de capitais, os nossos grandes caçadores, já o parecem ter entendido quando investem milhões em títulos públicos a taxa ZERO! Possivelmente à espera da queda do euro, da hipervalorização do marco a seguir e depois a receber os ganhos consequentes.  Quanto á terceira figura, David Cameron, fala o sentimento popular de que estamos perante um Robin Hood ao contrário, fala a ideia popular de que se está perante um governo dos ricos e cobrador de impostos aos pobres, preocupado sobretudo em salvar os grandes caçadores da City, mesmo que isto esteja a constituir um alto preço para a Europa. 


Depois, na caçada em linha há ainda os espertos, que estão lateralmente, na caçada em espera e por aqui encontramos os paraísos fiscais, encontramos grandes cães de fila e de espera a comerem o que as habituais batidas dos outros lhes fazem chegar ao alcance. Aqui está a Suíça ou ilhas como Caimão, Jersey, Bahamas ou outras como a Madeira de Alberto João Jardim. Ainda aqui há que ter em conta Bruxelas e os seus zigzags como por exemplo a questão da troca automática de informações exigida com dureza primeiro ou o acordo com a Suiça depois desta posição esquecida a ser defendido com firmeza. O comissário Algirdas Semeta foi bem claro no texto nesta peça colocado: o acordo Rubik não viola o direito europeu e daí o podermos dizer que a ser assinado pode ir apenas um passo e com isso se fará a amnistia fiscal à escala da Europa. A lembrar Nogueira Leite que ao pretender ser ou estar bem instalado na Caixa, e onde mais não sei, a dizer que não se devem procurar responsáveis para a crise. Não estará ele a dizer a mesma coisa diferente daquela que os suíços pretendem com o acordo Rubik. Estranho a mudança nos tempos: o Rubik inicial, como cubo mágico, foi concebido para desenvolver a imaginação, o Rubik programa actual foi concebido para a poder confiscar, através das políticas que dele emergem.


 

A escapar a esta paisagem de caça e a lutar apenas contra os efeitos devastadores que esta mesma caçada provoca, a tentar limitar as zonas em que aqueles podem caçar e o tipo de peças a que aqueles podem disparar,  encontramos um caçador sozinho, a Administração Obama, um caçador solitário e tenaz, caçador honesto e de poucos cartuxos, caçador lento mas certeiro e eficaz, por enquanto, espera-se, caçador que tem de saber racionalizar a pólvora de que dispõe,  caçador que outros estragos ainda maiores há-de eliminar, é o que se deseja. Veja-se a luta sozinha travada contra a Suíça, veja-se agora a segunda vitória alcançada quando já pode apresentar pedidos agrupados de informações ao governo suíço, vejam-se pois os 11 bancos suíços que já estão sob a sua alçada. E na Europa, quer-se que estes mesmos bancos se transformem em colectores de impostos para os Europeus! No mínimo escandaloso, para não dizer mesmo escabroso. São já onze os bancos suiços em dificuldades judiciais nos Estados Unidos. E na Europa, quantos bancos há em dificuldades judiciais por causa da fuga aos impostos dos clientes, dos residentes nacionais de qualquer um dos Estados membros? Na Europa, pelos vistos opta-se por uma outra solução, procurar o dinheiro que falta nos cofres públicos não a quem o tem e que com ele o deixam legalmente fugir, mas sim, como ladrões furtivos os governos andam sistematicamente a ir legalmente aos bolsos de quem o não tem.


Os artigos aqui colocados, falam-nos do exemplo americano, apelam para Bruxelas, para que esta veja o que toda a gente vê e sente, que a luta contra os paraísos fiscais é necessária, é urgente e que honestamente se faça então. Dizem-nos nos textos: “O texto aprovado pela Suiça só tem efeito e só se aplica aos Estados Unidos, mas isso mostra que a legislação suíça deixa de impedir as aplicações colectivas. Uma brecha pela qual Bruxelas, que as reclama desde há três anos, poderia avançar”. Poderia avançar mas o o Comissário Algirdas Šemeta, mostra bem que não é esse o caminho de Bruxelas, não é o caminho de Durão Barroso e dos seus pares. São caçadores de segunda linha, não os esqueçamos, mas não esqueçamos também que são o que são porque os deixamos ser. É tempo de pelas urnas os vencer.


Num outro texto também se diz relativamente ao comportamento criativo dos bancos suíços:


“Ora, os bancos deste país recorreram maciçamente a este instrumento desde 2005. Nesta época era necessário propor soluções criativas para outros clientes, clientes europeus desta vez. Para evitar cair na alçada da Directiva relativa à tributação da poupança entre a Suíça e a União Europeia. No Panamá, Liechtenstein ou noutros lugares, foram milhares de empresas offshore que surgiram da terra ou da água, talvez. Bruxelas não tem recebido mais do que um quinto dos impostos que Berna deveria ter cobrado sobre o rendimento dos clientes europeus dos bancos suíços. E, se Paris, Berlim, Londres, se inspirassem do modelo americano?”


Os números são espantosos, Bruxelas recebe apenas um quinto dos impostos que deveria receber para os seus cofres e dos seus Estados membros e como o não faz, ou como o faz deixando o dinheiro sair a quem muito tem, como o permite, decide-se então chafurdar nos bolsos dos povos europeus obrigando-os a seguir curas assassinas de forte austeridade porque a colecta foi pequena!


E depois da segunda linha temos ainda os pobres batedores, batedores como nome de profissão e de função, batendo ou no mato a ver se a peça de caça corre para a sua morte ou batendo nos bolsos de quem não o pode evitar, a ouvir o som que deles se pode ouvir tilintar. Desses temos nomes como por exemplo Passos Coelho, Rajoy, Osborne e os outros neoliberais que se seguem, disponíveis para Rubik assinar. Rubik! Rubik, porquê, já agora?


Porque a palavra Rubik pressupõe um quebra-cabeças. Não era um quebra-cabeças resolver o cubo mágico? Pois bem, o quebra-cabeças do século XXI recebe igualmente, e por isso mesmo, o nome Rubik! Porque com Rubik trata-se de um programa já assinado por alguns governos e em que este foi concebido pelo lóbi bancário, para resolver um enorme quebra-cabeças criado pela globalização financeira: permitir que os bancos suíços preservem o anonimato dos seus clientes estrangeiros – os activos não declarados só dos europeus poderão equivaler a mais de 800 mil milhões de francos suíços (698 mil milhões de euros) –, ao mesmo tempo que os coloca em conformidade com as autoridades fiscais dos países em causa.


De tudo isto iremos ouvir falar, de tudo isto esperemos muito se há-de protestar! E boa leitura.

 

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