Diário de bordo de 7 de Junho de 2012

 

Hoje este editorial começa com uma história verídica dos anos 40 do século passado:

 

Tomara a decisão na véspera. Retirara mais umas centenas de escudos do cofre e fora até ao Estoril tentando no Casino recuperar o suficiente para regularizar a dívida. Perdeu tudo. Em vez de tomar o comboio para Lisboa, ainda no Casino escreveu uma carta a uma amiga. Fechou o sobrescrito e entregou-o a um groom para que lha expedisse no primeiro correio. Foi a pé até à Boca do Inferno. Era já dia e houve testemunhas, pescadores salvo erro,  que lhe lançaram uma corda. Tentou agarrá-la, sinal de que se arrependera. Uma vaga mais forte atirou-o contra as rochas…

 

Não é ficção – um tesoureiro de um organismo público suicidou-se na Boca do Inferno por ter gasto ao jogo meia dúzia de contos de réis que não conseguia repor a tempo de evitar ser descoberto. Homem formado em letras, dois irmãos ilustres, gente ligada ao salazarismo, ele próprio amigo de António Ferro, devia quase sete contos de réis e o seu vencimento de escassas centenas de escudos não lhe permitia repor o que aos poucos fora retirando do cofre à sua guarda. Não queria, dizia na carta, recorrer aos irmãos, nem envergonhá-los mais do que já fizera.

 

É uma história verídica que hoje provoca o riso, até nos não corruptos. – «Suicídio? Mas estamos no Japão ou quê?» – Hoje, roubam, desviam, investem, não sabemos que termo aplicar, e andam por aí dando entrevistas sem um pingo de vergonha nas faces.

 

Há um suposto (e xenófobo) provérbio cigano que diz – «Roubo é quando se corre menos do que o polícia».

 

Adaptando-o ao actual conceito de honra, temos «Corrupção é quando se é condenado». Facínoras que cometeram fraudes, corruptos e corruptores evidentes com escutas telefónicas iniludíveis, pedófilos, gente que advogados hábeis ilibaram por ridículos pormenores processuais, pavoneiam-se, dão entrevistas e se algum jornalista alude ao «alegado» crime, revoltam-se – Foram ilibados em tribunal! E não roubaram ou aplicaram uns escassos milhares de escudos, de 30 ou 40 euros actuais, como no caso do tesoureiro  dos anos 40…

 

Segundo relatório da Organização Transparência Internacional, hoje divulgado, “a corrupção está a minar a confiança nas instituições e os conceitos crise e corrupção andam cada vez mais a par”. O relatório, que aponta Portugal, Espanha, Grécia e Itália como os países na Europa que menos se esforçam para combater a corrupção., refere ainda existir uma “forte correlação entra a corrupção e os défices fiscais”,. Conclui que a promiscuidade entre empresas e governos favorece o abuso de poder, o desvio de fundos e a fraude, minando a estabilidade económica. Os processos de corrupção em tribunais gregos e portugueses têm baixas taxas de condenação, 2% e 5%, respectivamente. Esta organização tem um site com relatórios específicos para cada país. Aponta, quanto a Portugal, debilidades de vários sectores, permeáveis à corrupção, destacando como ponto mais negativo a não existência de uma agência de combate à corrupção. Acrescentamos nós – uma tal agência seria uma maneira de criar mais uns quantos tachos e de aumentar a corrupção.

 

Ao ver e ouvir os ladrões, pavoneando-se com o dinheiro que nos roubaram, muitos deles, ricos porque desviaram para contas pessoais verbas vindas de fundos comunitários e que engrossaram a dívida que agora nós andamos a pagar, a ideia de que seriam capazes de se suicidar, dá vontade de rir.

 

 

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