Camões em letras galegas e catalãs

 

 

Sempre Galiza!

Sempre Galiza!

 

  

«Mas o Ernesto [Guerra da Cal] simplesmente escolhe a linha dos portugueses que reconhecem as afinidades e identidades das terras a norte e sul do Minho, como, por só citar dous, Manuel Rodrigues Lapa, nos nossos dias, ou, antes, José Valentim Fialho de Almeida (1857-1911). Diz este: “Oito séculos de fronteiras não conseguiram borrar as comunidades de sangue ancestral, as analogias profundas do tipo étnico, e nos agregados da vida social e moral contemporânea, esses variegados e complexos factores que tão fraternalmente jungem o carácter galego ao português. (…) E como não seria assim, se o português é em grande parte o descendente do povoador galego que logo aos primeiros alvores da nossa independência política radiou por todas as províncias lusitanas, desde o Minho ao Mondego…? (…) Assim, não há nome de povoação portuguesa, da Estremadura para cima, que não tenha seu similar em terras da Galiza, certo rememorando as saudades do fundador galego pela “terrinha” natal…(…) Com os apelidos das famílias, da mesma forma que com os nomes das povoações, a mesma lei de hereditariedade que os transplantou de fronteira segue perpetuando-os na margem portuguesa…(…) Porém, acima de tudo… um laço antigo, mais indissolúvel e profundo, liga entre si galegos e portugueses tornando-os não só solidários perante as tradições gloriosas do passado, como também, quem sabe? perante alguma futura obra seleccionadora e perfeita, que novamente os aproxima na Europa, como já providencialmente os está aproximando no Brasil. Este laço é a existência até quase os meados do século XV duma literatura e duma poesia popular comuns, a ponto de se não saber nos Cancioneiros quais trovadores são galegos e quais são portugueses, de tal modo estilo literário e língua se confundem. (…)… podemos dizer, sem maiormente ferir o escrúpulo científico, que Portugal foi a primeira colónia galega.”

Nota de C.D.: Em “Textos e documentos: a Galiza nos escritores portugueses”, por Ernesto Guerra da Cal, HGC Nós. E o próprio Ernesto nos lembra, em nota, que Luís Vaz de Camões provinha da linhagem galega do poeta e guerreiro galego Vasco Pires de Camões, da estirpe dos Caamanho de Noia.»

 

Em “A Galiza lusófona no pensamento de Ernesto Guerra da Cal”, por Carlos Durão

http://guerradacal.academiagalega.org/index.php?option=com_content&view=article&id=58&Itemid=58

 

 

Camões é reconhecido por muitos como um elo central duma literatura que é galego-portuguesa.

Duas figuras grandes das letras galegas prestaram-lhe, a seu tempo, tributo: Rosalia de Castro dedica-lhe um “Poema a Luís de Camões” e Ernesto Guerra da Cal junta Camões e Rosalia – cânones literários de Portugal e Galiza – na sua “Cantiga a Luís de Camões”.

 

Poema a Luís de Camões | Rosalia de Castro

Desde as fartas ribeiras do Mondego,
desde a Fonte das Lágrimas, 
que na bela Coimbra,
as rosas de cem folhas embalsamam,
do Minho atravessando as águas mansas 
em misteriosas asas, 
de Inês de Castro, a dona mais garrida, 
e a mais doce e mais triste enamorada, 
do grão Camões que imortal a fez 
cantando as suas desgraças, 
de quando em quando a acarinhar-nos vêm
eu não sei que saudades e lembranças.

Lá deu seu fruto a planta abençoada
com sem igual pujança. 
Daqui o germen saiu, sabe-o Lantanho
e a sua torre dos tempos afrontada.
Talvez por isso – ó desditosos – sempre 
convosco foi o germen da desgraça:
Tu, pobre dona Inês, mártir do amor 
e tu Camões da inveja empeçonhada. 
Pesam dos génios na existência dura 
Tanto a fama e as glórias quanto as lágrimas.

A que cantaste em peregrinos versos, 
morreu baixo o poder de mãos tiranas.
Tu acabaste olvidado e na miséria 
e hoje es glória da altiva Lusitânia, 
ó poeta imortal, em cujas veias 
nobre sangue galego fermentava! 

Esta lembrança doce, 
envolta numa lágrima, 
manda-te desde a terra
onde os teus foram nados 
uma alma dos teus versos namorada

 

Rosalia de CASTRO 

Antologia Poética, 1985, Guimarães Editores, pág 11-12

 

Cantiga a Luís de Camões | Ernesto Guerra da Cal

          Ó poeta imortal, em cujas veias
          nobre sangue galego fermentava!

                             (Rosalia de Castro)

 

 

 

Luis

Amigo sempiterno

Quero aprender teu cantar!

Quero ser teu companheiro

Contigo

peregrinar!

 

Ernesto Guerra da Cal 

Caracol ao pôr-do-sol, 2001

recuperado de Lua de Além-Mar, 1959

com introdução dos versos de Rosalia

 

 

 

Eu canto caetanamente o gosto de te sentir na boca a roçar a língua de Luís de Camões. E muita Galiza comigo canta porque ainda gosta de ser e de estar.

 

Carlos Quiroga, poeta galego, Jornal de Letras, Artes e Ideias, março 2012

 

 

 Milladoiro – Inês (Camões)


 

 

 

 

 

Quatre Barres

 

 

Dois poemas de Camões em catalão

tradução de Josep A. Vidal

 

 

Records, que em recordeu el bé passat

 

Records, que em recordeu el bé passat

per tal que senti més el mal present,

deixeu-me, si voleu, viure content,

no permeteu que mori en tal estat.

 

Però, si, com es veu, està ordenat

que he de viure de tot tan descontent,

que vingui el bé, si ve, per accident

i doni fi la mort a aquest meu mal.

 

Que al capdavall val més perdre la vida,

i perdre així els records de la memòria

que causen tant de mal al pensament.

 

Així que res no perd el qui atuïda

l’esperança, fa temps, té de la glòria,

si el viure li ha de ser sempre turment.

 

            Luis Vas de Camoes

            Trad.: Josep A. Vidal

 

Lembranças, que lembrais meu bem passado

 

Lembranças, que lembrais meu bem passado
para que sinta mais o mal presente;
deixai-me, se quereis, viver contente,
não me deixeis morrer em tal estado.

Mas se também de tudo está ordenado
viver, como se vê, tão descontente,
venha, se vier, o bem por acidente,
e dê a morte fim a meu cuidado.

Que muito milhor é perder a vida,
perdendo-se as lembranças da memória,
pois tanto dano faz ao pensamento.

Assi que nada perde quem perdida
a esperança traz de sua glória,
se esta vida há-de ser sempre em tormento.

 

 

 

Muden els temps, muden les voluntats

 

Muden els temps, muden les voluntats,

i muda el ser, muda la confiança;

el món sencer és tot fet de mudança,

i es vesteix sempre amb noves qualitats.

 

Tostemps els ulls albiren novetats,

diferents sempre en tot de l’esperança;

sols penes deixa el mal en recordança,

i el bé, si mai n’he hagut, sols soledat.

 

El temps cobreix amb verd mantell el camp,

que abans, de fred cobriren neu i gebre,

i en mi en fa plany, de la dolçor del cant.

 

Mes, el mudar de cada dia a part,

una altra és la mudança que m’aterra:

que ja no muda com mudava abans.

 

            Luis Vas de Camoes

            Trad.: Josep A. Vidal

 

 

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

 

 

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