LUÍS VAZ DE CAMÕES
Endechas a Bárbara escrava
(Fixação do texto de Hernâni Cidade)
(Lima de Freitas)
Aquela cativa
Que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que pêra meus olhos
Fosse mais fermosa.
Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar.
Ua graça viva,
Que neles lhe mora,
Pêra ser senhora
De quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.
Pretidão de Amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.
Presença serena
Que a tormenta amansa;
Nela, enfim, descansa
Toda minha pena.
Esta é a cativa
Que me tem cativo;
E, pois nela vivo,
É força que viva.
(in Luís de Camões, Lírica, Obras Completas III, Círculo de Leitores)