EM COMBATE – 93 – por José Brandão

 

A caminho de Biambe.

 

Embrenhados num dos trilhos do mato a caminho do acampamento, no último dia do mês de Fevereiro de 1965, fiquei convencido que os africanos não me estavam a enganar e que o guia prisioneiro que melhor sabia a localização não ia fugir, e que por isso íamos encontrar a Base que segundo a minha perspectiva o inimigo devia ter abandonado ao tomar conhecimento que a tropa andava por ali perto, e não teria tempo de se organizar para nos montar uma emboscada.

 

 

Naquela altura, a adrenalina estava ao rubro. Pelo sim pelo não, dei instruções aos guias para que a principal preocupação fosse a de avançarmos com todos os sentidos alerta e concentrados em pequenos pormenores que nos dessem a conhecer com a devida antecedência se o Inimigo se encontrava mais à frente à nossa espera.

 

Assim, iniciámos uma lenta e cuidadosa progressão.

 

Segundo me tinham dito a Base situava-se perto, o que me fez pensar que me dava tempo para ir e regressar à Companhia, antes de terminarem de vasculhar e, eventualmente, como era hábito, incendiarem a tabanca, o que ia demorar algum tempo, ou que pelo menos não os faria esperar muito.

Estava redondamente enganado, pois por experiência própria fiquei a saber, durante os cerca de 20 anos que andei por países africanos, que para eles africanos era tudo perto, independentemente das distâncias. Todavia há sempre um senão, e a operação não correu exactamente como tinha previsto, já que perto do alvorecer, mas ainda escuro, vi um vulto que em frente do único soldado que ia à minha frente saiu do trilho e correu para o mato.

 

Apercebi-me que o guia prisioneiro tinha conseguido libertar-se da corda que o atava à cintura pelo que estando totalmente fora de questão tentar abatê-lo a tiro, como levava no bolso uma navalha espanhola, abria-a o mais depressa que pude e atirei-a com toda a força na direcção onde ele tinha entrado no mato, mas claro que não lhe acertei.

 

Passado pouco tempo chegámos à base de Biambe que, segundo contámos, era composta por 12 casas de mato que tinham sido recentemente abandonadas, possivelmente quando o inimigo viu as labaredas das 26 palhotas da tabanca a subirem para o céu.

 

Perante este panorama mandava a prudência que saíssemos dali o mais rapidamente possível, tanto mais que um prisioneiro que conhecia aquela zona tão bem como as palmas da mão tinha fugido e, caso entrasse em contacto com os seus camaradas, iria denunciar a nossa presença.

 

Revistámos apenas algumas casas de mato e encontrámos: 1 GMO-RG34, 4 carregadores de PM, munições de 9mm, 1 bolsa de pano, 1 sabre, 1 cinto de cabedal, 1 grade para GMO e vários documentos. Regressámos com as mesmas precauções, mas por um trilho diferente.

 

Tendo a Companhia acabado de incendiar a tabanca e preparando-se para retirar, vim a saber depois, o capitão mandou procurar os guias e os prisioneiros e deu então pela minha falta, altura em que lhe disseram que tinha seguido com eles para a base inimiga.

 

Dada a demora em regressarmos começaram a fazer conjecturas sobre o que nos teria acontecido, tendo então decidido dar ordem para 4 Secções irem à nossa procura.

 

Sem nos terem encontrado pelo facto de terem seguido por uma direcção diferente, as Secções regressaram ao seio da Companhia primeiro do que nós. Quando passadas várias horas chegámos à zona da tabanca, a arder, vimos a Companhia estacionada a aguardar o nosso eventual regresso.

 

Os soldados da minha secção vieram ao nosso encontro, e perguntei-lhes onde se encontrava o comandante da Cª. Quando me dirigia para ele, reparei numa bajuda, provavelmente fugida da tabanca, rodeada por soldados.

 

Durante o curto trajecto, alguns soldados da minha secção acompanharam-me e aproveitaram para me informar que um dos assunto badalados durante a longa espera que tiveram que fazer era que o Furriel Parreira tinha saído com os guias e ninguém sabia em que direcção. Um deles, bastante agitado, referiu que esteve perto do capitão, e que o ouviu dizer aos outros oficiais que me ia levantar um processo discipinar. Perante este facto, e devido ao perigo em que estávamos envolvidos, nem sequer me tinha passado pela cabeça essa possibilidade pelo que me deu então para perguntar se na tabanca tinham apanhado algum material de guerra ou documentos e foi-me dito que não.

 

Quando, acompanhado pelo Leitão, pelos três africanos e também por soldados da secção me abeirei do capitão que, juntamente com os outros oficiais, ainda se encontrava encostado à árvore, pude constatar que a sua expressão não era nada agradável.

 

Sem o deixar falar perguntei-lhe de chofre se tinham apanhado algum material nas palhotas da tabanca e ele que não devia estar à espera que lhe perguntasse fosse o que fosse, muito pelo contrário, respondeu-me laconicamente que não. Não lhe dando oportunidade para falar, e sem lhe dar pormenores do que tinha acabado de fazer, disse-lhe calma e respeitosamente:

 

– Meu capitão, afinal esta operação não foi de todo infrutífera, pois trazemos-lhe este material.

 

Foi com tristeza que de seguida lhe tive que comunicar que o prisioneiro tinha fugido, porém ignorou tal facto e não fez qualquer comentário. O material foi o mencionado no relatório, mas foi a tabanca que foi incendiada pela Companhia e não as casas de mato, que eram 12 e não 8 conforme mencionou.

 

Foi reconfortante verificar que sendo um oficial amável no trato era todavia um militar exigente, mas também compreensivo, já que não me criticou, limitando-se a dar de imediato ordem para a Companhia se pôr em movimento.

 

Seguidamente a este episódio fizemos uma batida à área de Chumbume onde localizámos um grupo com cerca de 25 elementos inimigos fardados de caqui amarelo novo, cambando a bolanha e armados de ESP Aut, PM e 1 LGF. etc.

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