A propósito da violência sobre as mulheres – António Guerreiro

Agradecemos o lúcido e corajoso texto do jornalista do suplemento “Atual” do jornal Expresso, António Guerreiro, na sua rubrica AOPÉDALETRA de 15 de Setembro de 2012.

(autor desconhecido)

Com uma cadência regular e nada lenta chega a notícia de que mais uma mulher foi morta por um homem: marido, namorado, companheiro, amante e demais espécies masculinas de grande vulnerabilidade passional. Alguns matam-se, depois de matarem, ou entregam-se à polícia. Raras vezes temos a notícia de que uma mulher matou um homem e, quando tal acontece, há geralmente uma longa história de maus tratos que se interpõe. Se toda violência exercida pelos homens sobre as mulheres fosse castiga­da, o cárcere seria a morada permanente de uma parte considerável dos machos humanos. Ainda assim, à conta de outros crimes que não são tipificados como masculinos, as prisões estão cheias de homens — a população carceral feminina é uma pequeníssima minoria. Dizem-nos que as escolas são lugares de grande violência. Mas falta acrescentar: são sobretudo lugares de violência masculi­na, com uma incidência enorme de insu­cesso dos rapazes relativamente ao das raparigas. Mal ganharam liberdades e direitos, as mulheres encheram as universidades, tanto quanto os homens enchem as prisões e os lugares obscuros onde se chega sempre em queda. A dominação masculina, baseada em algo que se transmitiu como um ‘direito natu­ral’, tem por sua conta uma história tão infame e criminosa que, comparados com ela, os grandes genocídios são notas de rodapé no livro negro dos terrores. E, no entanto, perante este irreparável, a ideia de uma “guerra dos sexos” nunca teve e continua a não ter outra conotação que não seja a que diz respeito à questão metafísica (mesmo muito metafísica) da diferença sexual. Outrora, a afirmação feminista foi muitas vezes acusada de decalcar a lógica da luta de classes e, por essa via, entrar no radicalismo. Mas se imaginássemos uma resposta do feminismo à altura da realidade com que ele se confrontou, teríamos de achar plausível a hipótese de vivermos numa guerra civil sem tréguas até ao dia do Juízo Final.

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