Na Foz do Douro – Adão Cruz

(José Magalhães)

Generoso abraço verdade solitária o mar infindo onde colhes as palavras e o pequeno gesto da areia fina riscada dos pés das gaivotas

Entra‑me nos olhos o mar como em ti como tu tenho os olhos inundados de mar mas fogem‑me as sílabas férteis que ele te põe nos lábios e nos versos

A vibração das palavras de água salva‑me da paz sacrificial das rochas erectas e firmes quase me sinto futuro aqui a lembrar que o passado só existe para enganar o presente

Sinto‑me bem aqui ao lado do possível e do impossível na orla do silêncio das tuas palmeiras saboreando o Sal da

Língua como fruto roubado que me liberta da longa noite acumulada na boca

Arde em mim a luz de fogo que abre o mar e o peito quando o sol se derrama e vai dormir aqui eu sinto bem dentro dos sentidos o esplendor da água fervente e dos corpos entontecidos que só podem amar‑se no ventre do mar

Um vento leve com cheiro a maçãs acaricia‑me a face trazendo pela mão a paz da tarde e quase me adormece

Perdi a página já não sei onde ia também o sol se foi e com ele o dia

Bate agora a noite com estrondo no casco frágil da solidão penso que tudo se vai desmoronar talvez morrer mas de

novo retomados teus versos dizem‑me que não

(in Adão Cruz, Vai o Rio no Estuário. Poemas de braços abertos, ediçõesengenho)

1 Comment

Leave a Reply