O PATO ALGEMADO – XIII – por Sérgio Madeira

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A HISTÓRIA SEGUNDO O PATO:

O NEGÓCIO DO HUGO

Vamos começar por ver e ouvir o hino das juventudes hitlerianas

 

Repararam como os meninos estavam tgão bem arranjadinhos, com os seus uniformes negros? Vamos contar a história de um alfaiate. Chamava-se Hugo. Tinha cerca de 40 anos quando fundou em Metzingen, a pequena cidade onde nascera, uma pequena loja de confecções. As repercussões da grande receessão económica desencadeada pelo crash de 1929 atingiram brutalmente uma Alemanha que não se recompusera das consequências da sua derrota na I Grande Guerra. E o Hugo abriu falência. Desesperado, em 1931 ingressou no Partido Nazi.

A sua vida mudou radicalmente.  

Fornecedor exclusivo dos uniformes negros das SS (Schutzstaffel), da Juventude hitleriana e de outras organizações nazis (o tio Adolfo gostava de ver os jovens bem vestidos), ganhou milhões entre 1934 e 1945 e, para dar conta das encomendas, a solução foi apelar para a mão de obra dos prisioneiros de guerra. O tio Adolfo era generoso e punha os prisioneiros a trabalhar em empresas de quem se portasse  bem. Mão-de-obra pelo preço da chuva. 

Após a derrota do III Reich, Hugo foi levado aos tribunais, mas apanhou uma pena leve –  indemnizar as famílias dos trabalhadores forçados.

Ah, quase me esquecia de um pormenor – o nome completo do homem era Hugo Boss.

O ESTRANHO CASO DO PASTOR ALEMÃO – Uma surpresa entre castanhas e água-pé

No episódio anterior, Filipe Marlove, o inspector Pais da PJ, e  a secretária de Filipe, Marília, viajavam no Citroën 2 CV – Marlove ao lado da condutora e o inspector no banco de trás. Filipe explicara mais uma vez no que consistia o  imprinting, a tese de Konrad Lorenz que, juntamente com o princípio do palimpsesto, eram o s alicerces do sistema dedutivo que Filipe usava para resolver os seus casos. Diga-se que o sistema nunca resultara. Filipe sabia que o facto de uma teoria não funcionar na realidade, não significa que esteja errada.

Todos os casos tinham sido resolvidos por acasos (passe o trocadilho) a borbulhenta Marília, por acaso, tropeçava nas soluções, tal como Filipe se embrulhava na semântica e, os seus pés, em tapetes, alcatifas e capachos. Por isso, Filipe explicava a um inspector Pais que ressonava no banco detrás a teoria do imprinting. Quando percebeu que o inspector não o ouvia, calou-se, tanto mais que estavam a chegar ao destino – a Sobral de Monte Agraço, onde morava o tradutor de

Marília, que já ouvira a explicação dezenas de vezes, pediu para o chefe a completar, enquanto procurava um lugar para arrumar o 2 Cv.

– Lorenz descobriu que uma ninhada de gansos cinzentos criada por ele desde a saída do ovo, as pequenas crias o seguiam como se fosse sua mãe. Mesmo depois de  adultos, os gansos dessa ninhada preferiam-no aos outros gansos! Foi a este exemplo de influências genéticas e ambientais em comportamento animal que se chamou Imprinting (“estampagem”, Inicialmente, o fenómeno foi designado”stamping in”. Lorenz achou que o objecto sensorial encontrado pela ave é estampado (ou carimbado), imediatamente e irreversivelmente no sistema nervoso. Tal como o berro do sargento comando aos ouvidos de Filipe – «O soldado comando olha sempre em frente!» se estampara no seu sistema nervoso e o impedia de atentar em tapetes e capachos.

Quando o carro parou o inspector acordou estremunhado e apanhou as úiltimas palavras de Marlove – pensando que o seu sono passara despercebido, tartamudeou:

– Pois. É aí que entra o Palim Sexto da Barbilónia – e para Marília que se ria – disse: – O seu patrão, não desfazendo, é um crânio do caraças!

Estavam num largo com um coreto. Num café perguntaram onde era a Rua da Misericórdia – nessa rua morava João Paralelo de Sousa – o tradutor de Como Falar com Deus em Vinte Lições, de Franz Boagren. Era perto. Quando encontraram a porta, subiram uma pequena escada até ao primeiro andar. Uma mulher gorducha e alourada, de meia-idade, atendeu-os. O Doutor Paralelo de Sousa não estava. Tinha ido até ao Pavilhão Municipal onde decorria a Feira das Tasquinhas. Tinha ido autografar livros com receitas de culinária. E acrescentou que tinha ordens para não lhe ligar pelo telemóvel.

Lá palmilharam o caminho até ao Pavilhão. Dentro, com as tasquinhas instaladas em módulos, depressa deram com aquela em que Paralelo de Sousa autografava livros, pois em volta da mesa a que se sentava havia uma pequena multidão.

O Pais abancou a uma mesa e fez sinal para Marília e Filipe se sentarem também.

– Convido eu – disse.  E, generoso pediu castanhas, água-pé e uma dose de orelha de porco. Isto, depois de ser informado de que não havia pastéis de bacalhau.

Sempre com os olhos postos na mesa dos autógrafos, enquanto comiam, viram o ajuntamento ir diminuindo. Até que o autor, ficou a descoberto, entregando já autografado um exemplar da sua obra. Sorriu para o casal que agradecia a dedicatória.

Filipe ficou com uma castanha na mão, a meio caminho entre o pires e a boca.

– Homem, você até parece que viu bicho! – disse o Pais e completou dizendo a Marília – Deve-lhe ter dado o emprintingue!

Filipe não ouviu. Na mesa, sorrindo para o rapaz e a rapariga a quem fizera a dedicatória, estava  Franz Boagren, o ministro luterano de Darmstadt.

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