ANTOLOGIA DA MEMÓRIA POÉTICA DA GUERRA COLONIAL – por Manuel Simões

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Esta monumental antologia foi lançada pela Afrontamento em 2011. Nâo é, portanto, uma novidade editorial.Imagem1 Mas sobre essa questão, estamos conversados – nãoi sendo uma novidade, pela sua importância documental , este livro merece ser novamente falado. E Manuel Simões conhece bem esta obra e sabe do que está a falar. Vamos ler.

Um projecto com as dimensões desta Antologia (178 poetas, sem contar com o conhecido “Cancioneiro do Niassa”, 646 pp.) e que nasceu no âmbito das realizações do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, onde foi objecto de estudo nos últimos anos, teria que envolver uma ampla equipa com a supervisão de dois organizadores, Margarida Calafate Ribeiro e Roberto Vecchi. Tal projecto desenvolveu-se tendo em consideração quatro objectivos essenciais: recolha e análise crítica da poesia da guerra colonial; avaliação do impacto da guerra na poesia portuguesa contemporânea; organização de uma antologia da poesia sobre a guerra colonial; e contribuição para o debate e a memória pública da guerra, através de diversos colóquios, de que o último teve como tema “Os filhos da Guerra Colonial: pós-memória e representações” (14 e 15 de Junho de 2011). E, como afirmam os organizadores, a partir de três eixos: «(1) perceber a intersecção poética entre o individual e o colectivo nos aspectos vivenciais e traumáticos da Guerra Colonial; (2) reflectir sobre as relações entre poesia, memória e memória poética; (3) avaliar o impacto da poesia nas memórias públicas da Guerra Colonial e do fenómeno da memória da guerra na sociedade portuguesa e nas suas representações» (p.23).

 Na transparente e documentada introdução à Antologia, os organizadores assumem por inteiro o “desafio científico” de seleccionar, a partir de uma floresta de textos poéticos, heterogéneos e que muitas vezes cumpriam uma função documental e pragmática, um corpus que obedecesse a um critério exigente saído de um debate crítico «sobre a poética, a memória, o esquecimento, as suas relações com a poesia e, em particular, a poética em tempo de guerra» (p.23). A memória, como se vê, constitui o núcleo dos critérios metodológicos, com a consciência de que, através da poesia, se pode construir uma memória poética de um facto histórico, o que pressupõe a hermenêutica da memória.

 Tendo que seguir um critério de arrumação dos materiais, os organizadores conceberam uma divisão temática, distribuindo os poemas por blocos que obedecem aos temas “Partidas e Regressos”, “Quotidianos”, “Morte”, “Guerra à guerra”, “O dever da guerra”, “Pensar a guerra”, “Memória da guerra”, “Cancioneiros”, “Cancioneiro Popular” e “Ainda”, secção esta que inclui dois belíssimos poemas, o primeiro de Fernando Assis Pacheco e o segundo de Manuel Alegre, extraído de “Nambuangongo, Meu Amor: Os Poemas da Guerra” (2008):

             As nossas frases estão cheias de picadas

            de minas a explodir nos substantivos

            por dentro do silêncio há emboscadas

            não sabemos sequer se estamos vivos.

            Os helicópteros passam nas imagens

            a meio de uma vírgula morre alguém

            e os jipes destruídos estão nas margens

            do papel onde talvez para ninguém

            se vão escrevendo estas mensagens. (p.550)

 Não é difícil, portanto, perceber a importância e o alcance desta Antologia, que constitui um marco fundamental para se poder “ler” criticamente a guerra colonial a partir de textos poéticos provenientes de vários quadrantes e de acordo com a visão dos autores referenciados, o que mostra como aquele evento controverso e desamado tocou profundamente a poesia portuguesa contemporânea. No seu não menos importante “posfácio”, os dois organizadores proporcionam ao leitor uma moldura crítica que só pode enriquecer a apreensão do texto na sua globalidade. E assim referem os momentos fundamentais: «Tempo um: Requiem por um império ou sombras da guerra entre nós – Poesia 61»; «Tempo dois: Requiem por um império ou a reinvenção retórica do império»; «Tempo três: Requiem pela guerra – Três vozes da Guerra Colonial»; «Tempo quatro: A dimensão performativa do canto na poesia da Guerra Colonial» (Adriano Correia de Oliveira, José Afonso, José Mário Branco, Luís Cília e outros).

 Esta monumental Antologia, limiar de um corpo de dimensões mais vastas a confluir num arquivo digital aberto (Arquivo Electrónico da Memória Poética da Guerra Colonial), encontrou nos dois organizadores os interlocutores qualificados, considerando os estudos anteriores sobre o tema, objecto de várias publicações de âmbito internacional: “Uma História de Regressos: Império, Guerra Colonial e Pós-Colonialismo” (Afrontamento, 2004) de Margarida Calafate Ribeiro; e “Excepção Atlântica. Pensar a Literatura da Guerra Colonial” (Afrontamento, 2010) de Roberto Vecchi, entre outras.

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