Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
A crise, a Alemanha e o exemplo da década de 1930
Eric Le Boucher
Para não reviver a década de 1930, é necessário que a Alemanha aceite ser hegemónica.
– Angela Merkel en 2009. REUTERS/Kai Pfaffenbach –
Porque é que mais de três anos após o seu aparecimento os europeus não conseguem resolver a crise da dívida soberana? O que é que está errado nos planos sucessivos? O que está a faltar? Como é que é possível que o resgate dos bancos espanhóis, em grande parte sobredimensionado ainda não convença os mercados financeiros, para lá de algumas horas? Porque é que, em suma, são os europeus incapaz de restabelecer a confiança?
Há, naturalmente, muitas respostas técnicas. Os planos europeus pecaram sempre pelos seus atrasos, pela suas concepções complicadas, pelas suas imprecisões e, na maioria dos casos, caracterizados também por uma implementação que é retardada por agendas políticas. Tudo isto é assim .
Mas o essencial não está aqui. A chave de tudo isto está em Berlim. Se a crise continua sem fim, é necessário procurar as suas causas na visão que a Alemanha tem da solidariedade europeia e, finalmente, no que ela acredita que deve ser o seu papel no grande conflito que marca o nosso tempo em crise, o que opõe os mercados e os Estados.
A leitura de Charles Kindleberger, o grande historiador da Grande Depressão é, deste ponto de vista altamente esclarecedora. Como o dizem os economistas americanos Brad DeLong e Barry Eichengreen, que escrevem o prefácio de uma nova edição de um livro de Kindleberger a comparação entre os tempos actuais e os da crise de 1930 ‘ “são cada vez mais aterradores” .
Kindleberger explica, em primeiro lugar, que os mercados financeiros podem ser tomados pelo pânico e podem a seguir comportarem-se durante muito tempo de forma verdadeiramente irracional: torna-se muito difícil poder tranquilizá-los. Em seguida, ele mostra que um pequeno país pode desestabilizar os grandes países e até mesmo em conjunto por efeito de contágio. Em 1931, a crise deixou parte para a Europa a partir de Viena de Áustria para se espalhar pela Alemanha e depois para Londres e daqui para toda a parte. Hoje, a Grécia que pesa menos de 3% do PIB europeu ameaça a zona euro na sua própria existência.
Como acabar com uma situação pânico contagiante? Pela hegemonia benevolente do país líder. Kindleberger explica a Grande Depressão exactamente como sendo devida à ausência de hegemonia. Antes de 1914, a Grã-Bretanha era o garante do sistema mundial, depois de 1945, os Estados Unidos ocuparam este lugar, mas em 1929, este lugar não era ocupado nem por um nem outro.
“A Grã-Bretanha já não o podia ocupar e os Estados Unidos ainda não. ‘ Cada país decide proteger os seus próprios interesses e o interesse público visto à escala mundial evaporou-se e com isso evaporaram-se também os interesses privados de todos eles.”
Numa hegemonia benevolente, o país forte compromete-se a apoiar a estabilidade geral, face aos mercados em pânico. Ele leva em conta os interesses dos países em crise, assume o papel quer de refinanciador quer de consumidor em última instância. Em suma, ele, o país hegemónico, diz que ” estará sempre presente”.
Na quinta-feira, 14 de Junho, Angela Merkel exprimia-se em face do Bundestag, numa sessão preparatória do G20 a realizar no México. Para eliminar qualquer dúvida, a Chanceler reiterou o compromisso europeu da Alemanha e a sua vontade de contribuir para os esforços necessários a fim de relançar o crescimento. Alcançar uma Europa unida é “uma missão histórica”, lembrou ela. Mas ela acrescentou um aviso aos seus parceiros contra a tentação de basear a resolução da crise global apenas nos ombros da Alemanha, de que não devemos ” sobrestimar as suas capacidades “, conclui ela.
Este é o problema. Angela Merkel diz o oposto do que é necessário dizer. A Alemanha recusa ser esta potência hegemónica na Europa, ou seja, o país que deve impor a sua disciplina à família mas que, também, deve salvar os países membros que caem em dificuldade, a começar pelos gregos! Disse o que disse e, acima de tudo, disse-o bem alto e reivindicou-o. Ela recusa-se a esse papel, a Alemanha, por motivos bastante louváveis: o seu passado.
Mas na Europa, quem mais o poderia fazer? A França é um pouco como a Grã-Bretanha em 1929: trinta e cinco anos de défice orçamentais desqualificam-na, e, ainda hoje, o governo Socialista pretende governar com políticas de austeridade .
A lógica é que o par franco-alemão seja este líder tão esperado. Em vez de se entenderam, em reuniões de emergência e de resgate, uma após outra, arrancando concessões a Berlim, é chegado o tempo de construir um plano de conjunto e de confiança. Os capítulos serão os seguintes: União Orçamental, União bancária, harmonização fiscal e social, e este conjunto enquadrado numa União política. Berlim deve aceitar uma mutualização financeira e económica, Paris deve aceitar o seu plano político. Ainda é necessário que os dois povos tenham uma ideia partilhada de solidariedade europeia.
De um leitor devidamente identificado:
Quanto ao texto de Le Boucher duas breves observações:
Não creio que as consequências de crises nacionais sobre a Alemanha e
sobre a Europa sejam as mesmas, independentemente dos países. Faria
uma distinção entre? países sistémicos? e ?países não-sistémicos?. Uma
crise séria num dos primeiros não poderá ser gerida ou alegadamente
debelada como se está a fazer com as crises de países como a Irlanda,
Portugal, Grécia ou Chipre. As crises destes últimos países serão mais
crises nacionais do que da zona euro e, de maneira mais ou menos
radical, poderão ser circunscritas. O mesmo não se pode afirmar quanto
a economias como a espanhola, italiana e, nem se fala, francesa.
O problema da Alemanha talvez seja bem mais prosaico do que o que é
referido no texto. A Alemanha teria o seu Ego inchado se toda a gente
se ajoelhasse, reconhecendo e abençoando a sua hegemonia. Mas, a
Alemanha simplesmente não quer pagar o esforço da recuperação dos
outros em nome dessa hegemonia… até ao momento em que concluir
inequivocamente que não o fazer lhe sairá mais caro do que fazê-lo.
Tão simples como isso! Vivemos num contexto de realpolitik, meu caro.
Esquece os “voeux pieux” de solidariedade e construção europeia. Ora o
que é terrivel é que uma tal conclusão não resultará das crises dos
países não-sistémicos. Para essas crises, haverá sempre um Draghi que
colocará uma rede para amortecer a queda, rede gerível dadas as
dimensões da coisa e convincente para os traders. Mas queda haverá.
Claramente, as crises dos países sistémicos levam a essa conclusão,
mas o preço a pagar é incomportável, até para uma querida e hegemónica
Alemanha. E a rede do BCE não terá uma malha suficientemente apertada
para suster o trambolhão.
F. Murano