Selecção, tradução e introdução por Júlio Marques Mota
Um continente, a Europa, um país, a Grécia, imagens de um domingo de Páscoa
Júlio Marques Mota
Jesus ressuscitou, hoje, dizem-nos. Jesus voltou hoje a ver a luz do dia, e o que o viu quase que o cegou. Em cólera, fugiu e com ele fugiu também o sol que nos aquece os olhos e, por vezes, a alma também, quando outro calor não existe mais.
Ficam as trevas por toda essa Europa como resultado dessa dupla fuga e de outras mais, ficam verdadeiros pontos negros em termos de civilização localizados em grandes espaços e que dão pelo nome de Grécia, Portugal, Espanha, Irlanda, Itália, e com a França já a caminho para se situar dentro deste mesmo grupo.
Das imagens desses buracos negros, em particular, do buraco negro outrora berço da Democracia, e que dá pelo nome de Grécia, fala-nos o artigo que se segue. E depois veja as imagens.
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Petros Markaris: “nós deixámos o campo livre [aos nazis ] da Aurora Dourada
Petros Markaris, escritor grego, nasceu em Istambul, filho de pai arménio e de mãe grega. Ele é fluente em grego, turco, francês, alemão e inglês. Escritor dos argumentos de Theo Angelopoulos, de que nos lembra a sua morte trágica no ano passado, é também tradutor em grego de Goethe e é considerado um especialista em Bertolt Brecht. Convidados durante um debate no RadioBubble para discutir o último livro de sua trilogia sobre a crise na Grécia, “pão – educação – liberdade”, naturalmente falou-se muito sobre a crise. Ele também se refere ao caso de Aurora Dourada e traça os paralelismos entre a Grécia de hoje e a República de Weimar na Alemanha, antes de os nazis chegarem ao poder. Uma luz importante sobre a situação provocada pelas medidas de crise e da austeridade.
Petros Markaris
Dramaturgo, Petros Markaris começou a escrever aos 57 anos romances policiais com Atenas e a Grécia contemporânea como pano de fundo, em particular com a sua série do Comissário Costas Charitos. Durante o debate internacional na RadioBubble de 9 de Março, Petros Markaris foi o convidado especial de Theodora Oikonomides. Claro, ele falou sobre a crise e explicou a origem da sua trilogia. Markaris também se refere ao perigo de Aurora Dourada e OkeaNews oferece-nos agora a transcrição desta parte da sua entrevista aquando da emissão:
Teodora Oikonomides: Você mencionou Aurora Dourada há pouco tempo ainda, assim como também falou do facto de que, se toda a gente não fizer nada na sua vizinhança, Aurora Dourada vai-se encarregar de tudo isso. No seu livro descreve Aurora Dourada e as suas operações que se tornaram uma realidade em Atenas. Pensa Markaris que iniciativas voluntárias podem ser eficazes contra Aurora Dourada uma vez que esta terá já mostrado, e de forma bem evidente, que tem uma organização muito boa?
Petros Markaris: Existem dois problemas. Um dos problemas é Aurora Dourada. O segundo é que em tempos de crise, todas as ideias negativas e todos os maus hábitos vêm ao de cima, aparecem. Com uma vida normal, tudo pode ser escondido, não visível, enquanto em tempos de crise, é claro, temos é de lutar contra tudo isso. Não só contra Aurora Dourada mas também contra as más características . Eu uma vez disse a um político: “temos um Ministério do Interior e um Ministério dos Assuntos Sociais?”. Ele respondeu: ‘Sim, temos’. “Temos igrejas?”. ‘Sim, temos’.(…) Seria possível reunir todas essas entidades para irem aos bairros [deixada à mercê de Aurora Dourada] e dizer às pessoas que ainda existe ajuda. Não há nenhuma dúvida que estas pessoas prefeririam a ajuda do Estado ou da Igreja, em vez da de Aurora Dourada . Mas ninguém vai a estes bairros: nestes, só há Aurora Dourada. Portanto, depois, nós temos que lutar contra isso o que é realmente muito difícil. Precisamos de outros programas para enfrentar e resolver este problema. E para dizer a verdade, eu não vejo ninguém disponível para querer resolver este problema a não ser nós-mesmos e as assembleias de bairro.
[leitura de um excerto do último livro Petros Markaris]
Teodora Oikonomides: Na cena [do livro] que nós acabamos de ouvir, a polícia parece impotente contra a Aurora Dourada. Na realidade actual, é um facto reconhecido e um número de pessoas dizem que há um sentimento de solidariedade para com a polícia no partido Aurora Dourada . A situação actual é que nenhum procurador público parece querer vir [atacar Aurora Dourada e levá-la aos tribunais] porque pura e simplesmente têm medo. Esta semana, tivemos o julgamento de Elias Kasidiaris [o porta-voz de Aurora Dourada que agrediu uma mulher, uma política de esquerda na televisão grega] e este processo desenrolou-se numa atmosfera de intimidação. Havia cerca de uma centena de fortes skinheads no Tribunal que ameaçavam as testemunhas, o juiz, os advogados… finalmente ameaçavam toda a gente. Como é possível ultrapassar todas estas ameaças?
Petros Markaris: Primeiro, porque conheço a Alemanha, eu aconselho a ler os processos que ocorreram com os nazis, antes do período nazi: durante a República de Weimar, deu-se exactamente o mesmo método de intimidação. É esta também a maneira com que se trabalhou na Alemanha. São pois os nazis, a Aurora Dourada, e eles sabem como fazer as coisas. Todos precisamos de encontrar um sistema em que não lhes deixemos nenhum espaço de manobra para as suas acções. Devemos ocupar todo o espaço social antes que eles o façam. Se assim não for, então estamos todos perdidos. Porque eles estão organizados, eles sabem como lutar, eles sabem como intimidar as pessoas, ou seja, sabem utilizar e utilizam tudo isto..
As forças de polícia, em todo o mundo, são forças conservadoras. Eu nunca vi na minha vida uma força policial que se possa chamar de progressista, Deus me perdoe. Eles são conservadores e esta é a forma como a polícia funciona: os polícias são formados para se fazerem respeitar segundo o lema “lei e ordem”. Diz o ministro da ordem pública, diz-nos que devemos fazer alguma coisa , mas fica a nosso cargo a organização de uma linha de defesa contra eles [o partido Aurora Dourada], caso contrário, quem quer que seja, está perdido.
Theodora Oikonomides : Pensa que estamos a fazer progressos nesta linha de defesa?
Petros Markaris: Definitivamente não. Deixámos-lhes todo o campo livre para agirem. Essas pessoas em Agios Panteleimonas (bairro onde a propaganda de Aurora Dourada é bem conhecida) são pessoas idosas ou desempregadas. Os militantes de Aurora Dourada estão sempre lá. Este é o maior erro que a esquerda terá até agora cometido. Não se pode estar à espera que as pessoa de muita idade se organizem politicamente ou que estes façam as escolhas politicamente correctas. Eles recebem a ajuda de onde ela lhes chega.
Uma verdade que tem dificuldade em ser reconhecida como tal além-fronteiras .
Ler a continuação: http://www.okeanews.fr/petros-markaris-nous-avons-laisse-le-champ-libre-aux-nazis-de-laube-doree/#ixzz2P3tHRPPI
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