CEM ANOS DE PERDÃO – por Fernando Correia da Silva

Um Café na Internet

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Por causa do assassínio da sua amada Inês de Castro, vejo D. Pedro pegar em armas contra o pai. Com a sua tropa, tenta mesmo ocupar a cidade do Porto. Mas também vejo o bispo de Braga a tentar apaziguar a desavença. Para minha surpresa, D. Pedro amansa. Deduzo que as palavras mágicas tenham sido “a guerra civil envolve sempre o martírio de inocentes”, e D. Pedro a lembrar-se então da inocência dos seus filhos assistindo à morte de D. Inês, a mãe…

El-Rei exige que D. Pedro não persiga os matadores de Inês de Castro e o Príncipe garante que já os perdoou. El-Rei finge aceitar a palavra dada, mas dela desconfia… De qualquer forma, começa a partilhar com o filho o mando e o comando do Reino. Mas quando em 1357 cai no leito de morte, ainda consegue aconselhar os matadores a exilarem-se em Castela. Pelo sim, pelo não, os três abalam e tratam de cruzar fronteira…

Morre El-Rei D. Afonso IV e a primeira medida de D. Pedro de Portugal é combinar com D. Pedro de Castela (filho de D. Afonso XI), a troca de homiziados castelhanos em Portugal por homiziados portugueses em Castela. É assim que são entregues à justiça portuguesa os assassinos de D. Inês: Pero Coelho e Álvaro Gonçalves. Diogo Lopes Pacheco  consegue fugir a tempo de Castela para Aragão e dali para França.

Enquanto trincha e come a sua vianda mal passada pelas brasas e bebe o seu vinho tinto, D. Pedro I vai assistindo à demorada tortura de Pero Coelho e Álvaro Gonçalves. A um, é arrancado o coração pelas costas, a outro pelo peito. Persignam-se os nobres e murmuram, apavorados:

– El-Rei traiu a palavra dada…

Mas a um homem bom (é o nome que neste tempo se dá a um burguês conceituado), ouço dizer:

– Quem trai a quem fez traição, tem cem anos de perdão…

A obsessão d’El-Rei D. Pedro I passa a ser a justiça que aplica, de forma inclemente, contra criminosos quer de origem nobre, quer plebeia, sem fazer distinção entre uns e outros, o que muito agrada à arraia-miúda. Porém, mais do que fazer justiça, D. Pedro gosta é de ver aplicá-la, goza muito com o sofrimento dos condenados. Por isso ora dizem que é Justiceiro, ora dizem que ele é Cru (cruel). Séculos mais tarde irão chamá-lo psicopata, sádico. Não digo que não seja mas estou em crer que a sua Inês degolada em frente dos filhos, infetou e fez purgar o lado obscuro da sua alma…

Nos intervalos entre a aplicação da justiça e a governação do Reino, do que D. Pedro mais gosta é de sair pelas ruas a bailar e a folgar com outros foliões da arraia-miúda.

Tenta é preservar a memória de Inês de Castro. Manda esculpir dois túmulos, um para Inês, outro para ele. Colocados lado a lado, virão a ser os grandes expoentes da arte tumular medieval portuguesa. Os baixos relevos do túmulo de D. Inês representam cenas da vida de Jesus, da Ressurreição e do Juízo Final. Sobre a tampa está esculpida a imagem de Inês, de corpo inteiro, com coroa na cabeça como se fora rainha. As esculturas do túmulo de D. Pedro representam cenas da vida dos dois apaixonados desde a chegada de Inês a Portugal. Por sua ordem, os dois túmulos são colocados dentro da igreja, à mão direita, cerca da capela-mor do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça. Em 1361 D. Pedro manda trasladar os resto mortais de D. Inês, do Mosteiro de Santa Clara para o Mosteiro de Alcobaça. Os restos mortais seguem em liteira de luxo, conduzida por grandes cavaleiros, acompanhada por muita gente, nobres, clérigos, burgueses e plebeus. Pelo caminho até Alcobaça, muitos homens com círios nas mãos. No Mosteiro, muitas missas e grande solenidade para depositar os restos de Inês em túmulo novo.

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